Luis Fernando Verissimo*
O feto começa feminino, depois é que são
acrescentados os atributos, digamos assim, masculinos. Por isso, os
homens têm mamilos, e não sabem o que fazer com eles. Quer dizer: a
história biológica do ser humano é exatamente inversa à do seu principal
mito de criação, em que a mulher sai de dentro do homem. O mito é não
apenas um desmentido do fato, e do feto, como uma apropriação masculina
de um feito feminino.
Ao pôr o primeiro homem para
dormir, retirar sua costela e produzir a primeira mulher, Deus fez uma
paródia de parto. E com anestesia, um detalhe que não deve escapar às
mulheres, depois condenadas por Ele a padecer de todas as dores da
procriação, enquanto o homem, responsável por tudo, só é condenado a
folhear Caras antigas na sala de espera.
*
Todos
os mitos desde os inaugurais, como toda a cultura humana, têm sido
masculinos, num contraponto ressentido com a história biológica,
verdadeira, feminina, da espécie. Freud, que, sendo homem, era suspeito,
inventou que a mulher tem inveja do pênis.
O homem é que
não aguenta a ideia de não estar aparelhado, como a mulher, para se
integrar aos grandes dramas reincidentes da Natureza, ovulando de acordo
com as fases lunares, gestando, parindo e amamentando filhos, e
identificando-se com os ciclos de fertilidade da Terra, sentindo as
variações de clima e de idade com mais intensidade do que os homens, e
ainda encontrando tempo para ir ao cabeleireiro, almoçar com as amigas e
dirigir empresas.
Enquanto ele fica de lado, como um
penetra, esperando em vão que a vida o chame para as suas graves
verdades, e obrigado a inventar uma história de fantasia paralela à
história biológica.
*
A civilização se
explica como uma angústia de potência do homem. O que Freud quis dizer
era que a mulher invejava o poder falocrata, ou justamente o que o homem
inventou para compensar o fato de não ser mulher. Outro mito usurpador.
Em tempo: esta manifestação não é encomendada "e não, não pretendo mudar de sexo. É que sempre fui simpatizante".
-----------
* Escritor. Cronista
Fonte: Estadão online, 05/ 04/2015
imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário