Guy Perelmuter*
A natureza e seus limites sendo testados pela tecnologia
O
PhD em Filosofia pela Universidade de Cambridge, Stephen Cave, publicou
em 2012 o livro “Immortality: The Quest to Live Forever and How It
Drives Civilization” (em português, algo como “Imortalidade: a busca
pela vida eterna e como ela conduz a civilização”). Nele, o autor
argumenta que cada civilização pode ser caracterizada por diversas
tecnologias cujo objetivo visa aumentar a duração da vida humana: a
agricultura para garantir alimentos durante o ano todo, as roupas para
proteger as pessoas do frio, a engenharia para fornecer abrigo, as armas
para caça e defesa, e remédios para combater ferimentos e doenças. De
fato, este raciocínio leva à conclusão que não são apenas as indústrias
farmacêuticas, hospitalar e de equipamentos médicos que possuem como
principal finalidade a manutenção de nossa saúde.
O
progresso científico permitiu que a Medicina – existente de alguma
forma desde a Pré-História, passando pelo Egito Antigo, Babilônia,
Índia, China, Grécia e Roma – alcançasse feitos extraordinários,
reduzindo o sofrimento e melhorando a qualidade de vida da sociedade de
forma geral. O estado atual da ciência médica é fruto de séculos de
avanços tecnológicos, com a criação dos primeiros hospitais no século
IV, o entendimento da anatomia humana, o desenvolvimento de vacinas e da
anestesia, a construção de equipamentos para visualizar o interior do
corpo humano, a compreensão dos mecanismos de doenças degenerativas, os
transplantes de órgãos e o mapeamento do código genético.
Nossa caminhada rumo a uma expectativa de vida crescente
movimenta trilhões de dólares em pesquisas, diagnósticos, procedimentos
médicos, equipamentos e remédios – e agora a longevidade assume um
papel de protagonista em centros de pesquisa, universidades e empresas
privadas ao redor do mundo. Do Instituto Buck, fundado em 1999 como a
primeira instituição de pesquisa privada com foco exclusivo no
envelhecimento, passando pela Clínica Mayo fundada em 1889 e pela Calico
(California Life Company, ou Companhia de Vida da Califórnia) fundada
pela Google em 2013, nunca se pesquisou tanto sobre como envelhecemos e
como podemos tentar retardar este processo.
Uma
das principais linhas de pesquisa atualmente está ligada à senescência
(do latim, senescere, ou literalmente, “envelhecer”) celular, que foi
comprovada em experimentos nos primeiros anos da década de 1960 por
Leonard Hayflick (da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em
San Francisco e da Escola de Medicina da Universidade de Stanford) e
Paul Moorhead (da Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia).
Eles descobriram o que ficou conhecido como o “limite de Hayflick”: uma
célula humana normal pode se dividir e, portanto, se renovar, cerca de
50 vezes. Este fenômeno não ocorre com todas as células do corpo:
neurônios, células musculares cardíacas e células receptoras da retina
são alguns exemplos de células que não passam por esse processo de
divisão (chamado de mitose).
Uma célula torna-se senescente – ou
seja, perde a capacidade de se replicar – quando a parte final de seu
DNA (conhecida como telômero, uma sequência de bases repetidas que evita
que um cromossomo se misture com seu vizinho) torna-se curta demais. As
únicas células que realizam a mitose e cujos telômeros não se tornam
menores a cada ciclo são as células cancerígenas, ao passo que as outras
perdem sua capacidade de replicação ao atingirem o limite de Hayflick.
De
fato, produzimos células cancerosas frequentemente. Simplificando a
questão, quando isso ocorre em um organismo saudável, as células
vizinhas emitem substâncias que disparam o processo de remoção dessas
estruturas indesejáveis. Entretanto, à medida em que o processo de
envelhecimento avança, as células senescentes enviam este sinal de que
“há algo errado” frequentemente, gerando inflamações constantes, que por
sua vez podem responder por diversas doenças associadas à degeneração e
à passagem do tempo: Alzheimer, artrite e problemas cardíacos, por
exemplo. Os cientistas acreditam que, se conseguirem evitar que esses
“sinais” errados sejam enviados pelas células senescentes, uma série de
problemas crônicos associados com o envelhecimento poderão ser reduzidos
de forma significativa. Com os investimentos em pesquisas com
células-tronco, que podem se transformar como virtualmente qualquer tipo
de tecido, é possível imaginar a constante elaboração de tecidos
saudáveis que podem ser impressos em 3D e transplantados para o paciente, retardando o processo de senescência celular.
A
promessa de uma vida longa o bastante para bilhões de pessoas tem
consequências econômicas, políticas, sociais e geográficas. Em um mundo
onde a expectativa de vida vem aumentando sistematicamente e onde a
sociedade moderna segue causando danos potencialmente irreversíveis para
o meio ambiente, a exploração do espaço começa a ganhar relevância
estratégica para os negócios e para própria sobrevivência da raça
humana. Este será nosso tema para próxima coluna. Até lá.
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Guy Perelmuter é fundador da GRIDS Capital, Engenheiro de Computação e
Mestre em Inteligência Artificial. Publica neste espaço toda primeira
quinta-feira do mês
Fonte: https://economia.estadao.com.br/colunas/guy-perelmuter 07/03/2019
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