Jamie Bartlett.Arquivo pessoal
Pesquisador inglês Jamie Bartlett chama atenção para a cidadania na Internet:"Que dados estamos criando? Com quem estamos compartilhando?"
“Fomos muito ingênuos”, adverte o pesquisador e jornalista inglês Jamie Bartlett. Para ele, nos primórdios da Internet
“havia uma ampla visão de que o simples fato de tornar a informação
mais disponível e permitir que todos pudessem criar e compartilhar
informação transformaria o nosso ambiente em mais informado, politizado e
racional."
Não
foi o que aconteceu, e segundo ele a radicalização atual nem era tão
difícil de prever. Para Bartlett, os grupos radicais chegaram antes à
Internet por estarem fora dos jornais e do mainstream. “Mas o mais
importante é que todos nós nos tornamos mais radicais”, explica.
“Pulamos de um assunto para outro e somos apresentados a mais e mais
conteúdos apelativos e sensacionalistas para manter nosso vício nas
redes.” Como resultado, somos expostos a argumentos emocionais radicais e
acabamos xingando e vociferando nas redes sociais.
Autor do recém-lançado livro The people vs tech: How the internet is killing democracy and how we save it
(O povo vs tecnologia: como a internet está matando a democracia – e
como podemos salvá-la, em tradução livre), ainda inédito no Brasil,
Bartlett faz parte da Demos, um think tank britânico que reúne
especialistas em educação e tecnologia para pesquisar temas relacionados à política.
Em entrevista à Pública, Bartlett fala sobre a radicalização
promovida pelo ambiente online, desinformação, campanhas digitais e
outros perigos da rede para a democracia.
Mas, mais do que constatar os problemas, o pesquisador propõe
soluções para avançarmos junto com a tecnologia. Entre elas, um
departamento governamental dedicado a fazer uma auditoria de algoritmos e
uma base de dados pública, com registros instantâneos, de toda
propaganda eleitoral publicada nas redes. Leia a entrevista a seguir:
Pergunta. O surgimento da Internet, e depois das
redes sociais, veio com a expectativa de uma maior democratização da
informação e do debate público. Ao longo do tempo, essa ideia
desapareceu. Pesquisadores, incluindo você, mostram que, ao contrário de
democratizar, o ambiente virtual potencializou discursos radicais e
extremistas. Por que isso aconteceu?
Resposta. A primeira coisa que precisamos
entender é por que fomos tão ingênuos no início. Havia uma ampla visão
de que o simples fato de tornar a informação mais disponível e permitir
que todos pudessem criar e compartilhar informação transformaria o nosso
ambiente em mais informado, politizado e racional. Eu penso que boa
parte da razão para essa crença veio do fato de que a maioria das
pessoas por trás dessa tecnologia são pessoas da costa oeste dos Estados Unidos,
da Califórnia. Pessoas extremamente liberais e grandes defensoras dos
poderes naturais da livre informação e alienados das reais questões do
mundo. E isso é só uma das explicações. Foi uma ingenuidade criar essas
expectativas. As pessoas assumiram que a internet e as redes sociais
seriam extremamente livres e que não haveria controle sobre as
informações que estariam ali. Ninguém pensou nas consequências.
Mas, olhando com mais atenção, era possível ver que não
seria bem assim. Na maioria das novas tecnologias, são as pessoas mais
radicais, marginais e até criminosos que primeiro aprendem suas
possibilidades. Eles têm essa vantagem, pois, na maioria das vezes, os
mais autoritários se consideram excluídos, então dedicam boa parte de
sua vida a novas técnicas e tecnologias.
O que eu descobri foi que, se você observar grupos de extrema
direita, e até alguns grupos radicais de esquerda, na maioria das
democracias, são eles os primeiros usuários de novas tecnologias.
Neonazistas, por exemplo, encontraram maneiras de usar as redes sociais
para espalhar suas mensagens, porque eles são determinados e não tinham
outra forma de fazer isso. Se você os tira da mídia tradicional, é
natural que eles procurem outros meios.
Adicione a isso o fato de que em troca da gratuidade das redes
sociais nós damos a elas [as empresas de tecnologia] nossos dados. Assim
elas tornam essas plataformas ambientes viciantes, para que fiquemos
mais tempo lá, fornecendo ainda mais dados. E nossa tendência é clicar
naquilo que for mais extremo, radical, inacreditável, pessoal.
P. Isso deixou as pessoas mais radicais, ou foram os extremistas que se tornaram mais fortes?
R. Boa pergunta. Eu acho que os radicais cresceram
nas plataformas digitais porque tinham essa vantagem de serem usuários
há mais tempo. Mas o mais importante é que todos nós nos tornamos mais
radicais — não exatamente extremistas, mas somos exponencialmente
expostos a conteúdos radicais e apelativos. Não temos a intenção de
falar sobre essas temáticas, mas elas nos são apresentadas. Assim,
quando entramos nessas plataformas, gritamos uns com os outros,
discutimos sobre coisas pequenas, discordamos sem ao menos escutar o
outro lado. Pulamos de um assunto para outro e somos apresentados a mais
e mais conteúdos apelativos e sensacionalistas para manter nosso vício
nas redes. E o resultado é que nos tornamos mais extremos.
P. E como Trump, nos EUA, e Bolsonaro no Brasil se beneficiaram desse ambiente polarizado?
R. Na minha opinião, esses políticos se baseiam em
frases de efeito e soluções simplistas. E é exatamente isso que funciona
nas plataformas de redes sociais. Discursos populistas sempre foram
apelativos. Sempre se trata de apelar para o emocional, tratar problemas
complexos com soluções fáceis.
As redes sociais são excelentes ambientes para amplificar essas
mensagens porque não são tratadas como nos jornais, por exemplo. Com as
notícias, temos que nos sentar e pensar sobre o que lemos. Não somos
guiados por emoções. Mas nessas plataformas, sim. Quando compartilhamos
conteúdos, esperamos respostas, curtidas, então é mais provável que
publiquemos conteúdos que nos fazem sentir raiva ou animação do que
conteúdos profundos e reflexivos.
P. Você acredita que essa radicalização impulsionada pelas redes é igual para a direita e para a esquerda?
É uma pergunta muito difícil de responder. Eu acredito que o discurso
político que funciona nas redes pode ser tanto de direita quanto de
esquerda.
P. Qual é o papel da desinformação nesse processo de radicalização online?
R. O problema não é a desinformação em si, mas o
fato de haver diversas categorias de notícias falsas nas redes, e todas
elas causam um efeito importante.
Na Internet você acha todo e qualquer tipo de informação, verdadeira
ou falsa. Há aquelas postadas por veículos de notícias e as que são
apenas histórias de pessoas e também podem ser confiáveis. E há aquelas
que são ruins e mentirosas. Ninguém sabe qual é verdadeira e qual é
falsa. Então, no que as pessoas confiam quando não sabem no que
acreditar é simplesmente em suas próprias intuições e emoções. Você
confia no personagem que você acha que combina mais com você e fala
coisas que você acredita. E isso é mais um elemento que beneficia os
populistas porque eles geralmente são melhores em convencer as pessoas.
Não é simplesmente a desinformação pela desinformação, é que a
informação circula em bolhas. Na rede você encontra dados e estatísticas
para embasar qualquer opinião que você tenha. Cada um tem seus próprios
fatos. E eles não estão exatamente certos, mas na internet é possível
encontrar tanta coisa que existe informação para o que você quiser, tudo
que valide sua opinião.
E estar envolvido em tanta informação assim é mais preocupante que as
próprias notícias falsas. Por que é isso que faz com que as pessoas não
saibam no que acreditar e parem de prestar atenção nos jornais para
guiarem-se apenas pelos sentimentos. E é também isso que está tornando
os políticos mais radicais, porque ninguém mais tem a autoridade sobre a
verdade ou sobre os fatos.
P. No seu livro, você fala muito sobre o disparo de
mensagens na campanha de Donald Trump com a ajuda de dados fornecidos
pela empresa Cambridge Analytica. Você pode explicar como essa empresa ajudou Donald Trump, que não era do meio político, a ganhar as eleições nos EUA?
R. A tecnologia usada não era única ou inovadora, e
vem sendo usada por publicitários há muito tempo. Eles basicamente
identificaram pessoas que acreditavam que eram mais suscetíveis de serem
convencidas pela campanha. O que eles fizeram foi construir perfis
detalhados de milhões de americanos usando dados disponibilizados
publicamente na internet. Esses dados, que podem ser comprados, incluem
coisas como o valor da sua casa, que carro você tem, que revistas assina
e muito mais. Eles pegaram o máximo de informações das pessoas que
conseguiram e dividiram elas em grupos, enviando conteúdo mais provável
de convencê-las.
P. Além de eleições, essa tecnologia pode
influenciar outros aspectos da nossa vida. Somos bombardeados com
anúncios personalizados, é como se as empresas soubessem mais de nós que
nós mesmos. Como isso afeta a democracia?
R. Para mim, o maior problema é a popularização
dessas técnicas de publicidade com dados, especialmente quando não há
regulação. Significa que qualquer um pode dizer que seu opositor está
trapaceando.
Qualquer um que perder uma eleição pode dizer que o adversário está
usando dados de pessoas indiscriminadamente e manipulando eleitores com
publicidade. E isso compromete a integridade de qualquer pleito. Quando
você usa essas técnicas, na cabeça das pessoas, isso compromete a
integridade de uma eleição.
P. Você não acha que a popularização dessas técnicas
de publicidade vai fazer as pessoas questionarem suas escolhas e
atitudes online?
R. É o seguinte: ninguém acha que foi influenciado
por um anúncio. Nunca. As pessoas sempre falam: “Ai, isso não me afeta”.
Mas, então, por que os publicitários investem tanto nas redes sociais?
Por que eles já testaram e viram que realmente funciona.
Uma das razões pelas quais eu escrevi meu último livro foi para
tornar as pessoas mais conscientes da maneira como seus dados estão
sendo usados. E eu acho que as pessoas estão cada vez mais preocupadas.
P. Você vê um crescimento em outras formas de usar a Internet?
R. Sim, eu vejo. Acho que está crescendo e melhorando. No Reino Unido,
nós temos VPN [redes privadas individuais], que nos dá mais proteção de
dados, e significa que empresas só conseguirão coletar nossos dados se
dermos autorização, e isso nos dá o direito de pedir nossos dados de
volta também. Já existem empresas que ajudam as pessoas a recuperar seus
dados de outras empresas, novas redes sociais estão surgindo. Então,
existem pequenas iniciativas nesse sentido. Eu não sei se vai funcionar,
ou se vai fazer muita diferença, mas eu vejo melhora.
P. Existem maneiras de minimizar os efeitos dessa
falta de privacidade online sem ser pela via completamente anônima e
criptografada. No seu livro, uma das soluções que você sugere é o
policiamento dos algoritmos. Você pode explicar como isso funcionaria?
R. Sim. O que podemos fazer é criar formas de
controle democrático sobre os sistemas que possuem nossos dados
pessoais. Uma das maneiras de fazer isso é da mesma maneira que
fiscalizamos nossas instituições como escolas, serviços de saúde etc.,
para garantir que eles estejam funcionando. Com os algoritmos isso não é
feito. Ninguém sabe se certos tipos de notícias estão sendo
privilegiados pelos algoritmos, por exemplo. Eu não tenho a exata
solução para isso, mas eu acho que é preciso criar um sistema de
fiscalização.
A lógica é: se há um poder, é preciso criar um sistema de fiscalização.
P. Sim, mas isso precisaria ser feito pelo poder
público, e os políticos que temos atualmente mostram muito pouco
conhecimento sobre as questões do ambiente digital. Prova disso foi a
audiência realizada com Mark Zuckerberg no Congresso americano. Você acha que essa equipe é capaz de formular políticas públicas eficientes nesse sentido?
R. Eu acho que é possível. Não é preciso ser um
engenheiro de computação para pensar em soluções para esses problemas
digitais. Eu só acho que é preciso disposição e investimento. Por que
não seria possível instalar um departamento para fiscalizar algoritmos?
Para mim parece possível e plausível, apesar das dificuldades.
P. Mas os problemas que temos são urgentes. Como cidadãos, o que podemos fazer?
R. O que eu mais tenho dito é que precisamos olhar
nosso comportamento online como um passo. Eu acredito que temos o dever,
como cidadãos, mais importante do que votar, de refletir sobre nosso
comportamento online. Que dados estamos criando? Com quem estamos
compartilhando? Que plataformas estamos usando?
Porque, toda vez que compartilhamos nossos dados, estamos contribuindo para a sociedade de controle que vivemos atualmente.
P. E as plataformas? Você acha que elas devem ser mais bem reguladas? De que maneira?
R. Sim. Eu acho que há regulações que podemos criar.
A mais fácil delas seria definir essas empresas como publicitárias e
investigá-las para combater oligopólios e promover a livre concorrência.
Não pensá-las como plataformas de redes sociais.
Temos que ficar atentos às aquisições que essas empresas fazem,
porque muitas vezes elas compram plataformas menores antes mesmo que
estas se tornem competitivas. Então, temos que bloquear esse tipo de
compra.
E há algumas outras coisas, como regular o conteúdo que circula
nesses lugares, como o discurso de ódio. E multá-las caso não removam
esses conteúdos.
P. Que outras medidas legais precisam ser tomadas na sua opinião?
R. Devemos atualizar as legislações eleitorais
urgentemente, porque elas estão ultrapassadas. Uma das coisas que eu
proponho é que todos os anúncios usados em campanhas eleitorais devem
ser publicados em tempo real num banco de dados público para todos
verem. Eu acho uma medida importante e fácil de ser implementada. Acho
que isso pode aumentar a confiabilidade das eleições.
E também precisamos melhorar de uma maneira geral o sistema
educacional, porque nenhum dá a verdadeira atenção para o estudo dos
problemas de desinformação, deep fakes, fake news. E as pessoas convivem com isso todos os dias. Portanto, precisamos de uma drástica melhora na maneira como ensinamos media literacy [alfabetização midiática]. Estamos muito atrasados.
-------------Reportagem por Ethel Rudnitzki (Agência Pública)
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