Monica de Bolle*
Todo
mundo que é gente de pele e osso deixa rastros na internet. E não é preciso ser
um hacker profissional para farejar e ir atrás dos rastros
O Executivo, o Legislativo, o Judiciário são os três tradicionais. A
imprensa é o Quarto Poder de qualquer democracia que se preze. E, nos últimos
anos, vimos a ascensão do Quinto Poder: as redes sociais. Pouco se compreende
sobre esse Quinto Poder. Após as revelações de interferências em eleições, de
venda de dados pessoais, do clichê verdadeiro de que nas redes somos nós as
mercadorias, muitos passaram a se sentir impotentes, sobretudo quando
confrontados por robôs ou pessoas escondidas atrás de perfis falsos ou avatares
cujo único objetivo nas redes é, no mínimo, importunar. Quando a ação dessa
gente — aqui já não falo dos robôs — é apenas para importunar, é possível
ignorá-la, bloqueá-la ou emudecê-la, como se faz muitas vezes no Twitter.
Contudo, assim como ocorreu nos Estados Unidos após a ascensão de Trump, tenho
notado no Brasil mudança de comportamento perturbadora. Quem está nas redes
para agredir já não se contenta em apenas tentar chatear sua “vítima”. Quem
está nas redes para agredir, hoje, perdeu a vergonha, o freio natural, e passou
da chateação para algo mais sinistro: as ameaças implícitas ou explícitas de
violência.
Sei que muitos jornalistas têm sido alvo desse tipo de comportamento.
Também sei que há acadêmicos — em especial acadêmicas, isto é, mulheres
professoras e pesquisadoras — que sofrem com as constantes ameaças. Algumas
dessas pessoas decidiram sair do país, pois viram nas ameaças risco real para
si e para suas famílias. Minha solidariedade a todos, de diferentes profissões,
que tanto têm aguentado desde que a ascensão de Bolsonaro fez com que o ódio e
o rancor de certos indivíduos, antes escondidos, aflorassem como se agora
possuíssem carta branca para fazer o que bem entenderem. Em minha experiência,
esses indivíduos são, em grande maioria, homens brancos de classe média ou
classe média alta. A idade varia, mas está no intervalo entre os jovens
imaturos e os profissionais de meia-idade. Em meu caso, muitos — não todos —
desses homens que ameaçam violência de forma velada ou aberta atuam no mercado
financeiro. Muitos deles não se dão conta de que minha rede de conhecidos e de
pessoas próximas, profissional e de amizade, cruza com a deles. Tenho vários
amigos no mercado financeiro brasileiro, e muitos são homens que jamais fariam
o que seus pares fazem. Recentemente, expressaram solidariedade e apoio ao
presenciar os ataques.
Mas o que faz com que esses outros homens se sintam tão desinibidos a
ponto de ameaçar alguém com crimes hediondos? O que faz com que pensem que
podem difamar sem consequências? Tenho algumas teses, mas a principal é a
seguinte: eles não sacaram que a internet e as redes sociais são uma via de mão
dupla, em que nada se esconde e tudo eventualmente se encontra. Portanto, pensam
que estão protegidos atrás de monitores de computador, perfis falsos e
avatares, quando na verdade estão nus em praça pública.
Eles têm empregos, eles estudaram em algum lugar, eles têm seguidores
que podem levar a que se descubra suas reais identidades. A outra coisa com que
contam é o medo das pessoas. Contam com o sentimento de impotência sobre o qual
falava no início do artigo. Mas o fato é que o Quinto Poder, ao contrário dos
Três Poderes da República e até da imprensa, dá voz a todos. Dar voz a todos
significa que as “vítimas” de suas ameaças têm tanto poder para expor seus
agressores quanto eles têm para atacá-las. E a exposição dói. A exposição pode
acabar com reputações construídas durante anos, com a imagem cultivada do
investidor sempre vencedor, o macho branco alfa do mercado que ganha todas
porque reina supremo diante de seus milhares de telões com gráficos e dados. A
exposição, além de eliminar o senso de reputações inabaláveis — o Quinto Poder
tornou as reputações extremamente frágeis, diga-se —, pode doer no bolso. Não
apenas pela via legal, pelos processos e outros recursos, mas pela perda de
investidores que não queiram mais se associar a um fundo gerido por um brucutu.
Ou pela decisão dos bancos que vendem e distribuem os fundos de não mais
fazê-lo.
O Quinto Poder é sombrio e complicado. Mas não há impotência. É possível
usá-lo para combater as estultices de quem acha que tudo pode.
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* Monica de Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados
emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson
Institute for International Economics
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