Marcelo Barros*
Essa semana é marcada pelo 22 de março, dia mundial da Água. Nesse
ano, temos mais motivos para valorizar essa comemoração proposta pela
ONU. No Brasil, tivemos em janeiro, o rompimento da barragem de
Brumadinho com a morte de centenas de pessoas e a destruição da vida no
rio Paraopeba, com o risco da lama tóxica atingir até o São Francisco.
Há quase quatro anos, rompeu-se a barragem da Samarco em Mariana.
Resultou na morte de muitas pessoas e de toda a vida que existia no rio
Doce. Até aqui nada foi feito para impedir que desastres desse tipo
voltem a acontecer.
Por trás de tudo isso, está o raciocínio que reduz a natureza, as
águas e até as pessoas à condição de mercadorias. É importante que
movimentos sociais, organizações de base e as Igrejas insistam: a água é
um bem comum, direito universal de todo ser vivo. Sem água, não existe
vida. Por isso, a água não pode ser privatizada e mercantilizada.
Antigamente, esse argumento parecia pouco relevante, porque as pessoas
pensavam que a água é um bem que nunca iria faltar. Nas últimas décadas,
a experiência da humanidade é justamente o contrário. Na sua carta
sobre o cuidado da casa comum, o papa Francisco alerta:
“A água potável e limpa constitui uma questão de primordial
importância, porque é indispensável para a vida humana e para sustentar
os ecossistemas terrestres e aquáticos”(Laudato Sì, 28).
O Brasil detém 12% de toda água doce do mundo, mas como em todo o
planeta, essa distribuição é desigual e problemática. No cerrado e em
todo o planalto central, as pesquisas revelam assustadora diminuição das
fontes de água e do nível hidrográfico dos rios. No sertão do Nordeste e
no Centro-oeste sempre houve secas sazonais. No entanto, agora, com o
desflorestamento e a destruição da natureza, é a sociedade humana que
provoca desastres ecológicos como secas, terremotos e inundações.
Pesquisas da ONU revelam que, nas últimas cinco décadas, houve uma
redução de mais de 60% da água doce disponível do planeta. O estresse
hídrico já é uma realidade para mais de um bilhão de seres humanos que
vivem com menos de dois litros de água potável por dia.
Cada vez mais, os conflitos entre nações ocorrem não mais por
territórios e sim pelo direito do uso de águas de rios e lagos. Em
Israel, o Estado desviou as águas do rio Jordão e as canalizou em tubos
subterrâneos. Assim, acampamentos e assentamentos palestinos não podem
delas se beneficiar. Um jornal palestino conta que na cidade de Caná da
Galileia, onde, segundo a tradição, Jesus transformou a água em vinho, o
prefeito declarou: “Se, hoje, Jesus voltasse por aqui, nós lhe pediríamos para transformar vinho em água”.
Infelizmente as religiões e tradições espirituais que deveriam dar à
humanidade uma cultura amorosa de relação com a terra e as águas, não
têm vivido com êxito essa missão. No entanto, a maioria das tradições
espirituais acredita que a vida nasceu a partir das águas. Por isso a
água é sempre símbolo e instrumento do Espírito de Deus. Na Bíblia e nos
evangelhos, Jesus promete o Espírito Santo como água viva que quem beber jamais terá sede.
A espiritualidade ecumênica convida as pessoas e comunidades a verem a
água como instrumento de comunhão entre as pessoas e solidariedade
entre os povos. É possível aprofundar a relação entre pessoas, como
também entre povos através da partilha da água comum.
Em vários países, pessoas e comunidades impregnadas dessa
espiritualidade têm vencido importantes lutas legais contra a
privatização da água. Têm participado de comissões de defesa de rios,
lagos e fontes de água. Os cristãos reconhecem na partilha do pão o
próprio Jesus presente. Assim também, agora somos convidados a
testemunhar o Espírito Divino presente em cada pouco d´água que
partilhamos como sacramento da presença e ação do Espírito Mãe da Vida.
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* Marcelo Barros de Sousa é um monge beneditino, escritor e teólogo brasileiro.
Fonte: http://portaldascebs.org.br/2019/03/20/a-agua-nossa-de-cada-dia-nos-da-hoje/
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