Lya Luft*
Um desses dias em que a gente tem vontade de virar Bela Adormecida e
só acordar no dia seguinte, semana seguinte, sei lá. Parece que o mundo,
e nós, andamos embruxados, condenados por maldições de mil feiticeiras,
não boazinhas mas malignas.
De um lado, politicamente, culturalmente, me interessa o
relativo caos do Brexit, não aguentando mais nem o termo, nem a pobre
Theresa May. Não tenho nenhum cacife para falar sobre o caso, mas vejo,
por entrevistas e reportagens, que muitíssimos dos que votaram "sim,
sair da União Europeia" hoje admitem que achavam que não teriam de pagar
mais impostos... e se houver, ou houvesse, um novo plebiscito, votariam
de maneira diferente.
Isso não me causa emoções sombrias, apenas uma certa fraternidade com esses ingleses de que tanto gosto.
Mas aqui, neste país, em São Paulo, na simpática
cidadezinha de Suzano, a tragédia brutal me tocou como se eu conhecesse
aqueles adolescentes encurralados, fuzilados, retalhados a machado, e os
outros que foram também brutalmente atingidos na sua psique - vendo os
colegas vitimados pela carnificina sem sentido.
Tenho netos em idade de Ensino Médio, tive filhos
assim, tenho dezenas de famílias amigas cujos netos, ou filhos, poderiam
estar naquela escola - ou aquele horror poderia acontecer por aqui. Não
há desculpa se estamos criando uma geração de sádicos e fanáticos
matadores. Dizer que eram loucos os desculpa: insanos e dementes não
seriam responsáveis. Os dois rapazes, segundo se vai descobrindo,
planejaram cuidadosamente, por um ano, esse massacre. As roupas, as
armas, a hora, o lugar. Parece, segundo muitos indícios em seus
computadores e celulares, que pertenciam a uma sombria turma de
extremistas que já inspiraram, coordenaram e depois aplaudiram o
horrendo resultado de outras atividades assim no Brasil. E possivelmente
fazem parte de uma comunidade internacional, sempre na sombra das
darknets, instigando eventos semelhantes nos Estados Unidos, por
exemplo.
O que dizer? Que somos todos animais predadores e que,
sem alguma orientação, apoio, afeto, é de esperar que acabemos assim?
Não creio. Alguma semente diabólica foi lançada, e cresceu, nos dois,
sobretudo no mais velho, de quem possivelmente o mais jovem era
admirador fanático. Pois o maior fuzilava os inocentes e o mais novo
vinha atrás - segundo alguns vídeos e testemunhos - carneando os já
mortos ou semimortos com machadinha.
Mãe adicta, vó morta, pai ausente, se for o caso,
certamente não explicam isso. Sei que meus dias estão sob a sombra desse
horror, compaixão pelas vítimas e famílias, e colegas, e um sentimento
intraduzível pelos assassinos. (Me perdoem os mais sensíveis que os
julgam bons meninos apenas estressados.) O chefão dessa comunidade - se
for confirmado isso - já foi preso outras vezes, e solto. Então, em
última análise: o que há conosco que entre nós vicejam venenos tão
pavorosos e mortais?
No começo de mudanças positivas no país, repito o que digo mais vezes ao encerrar um artigo: Deus nos ajude.
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* Escritora
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=76910555f58a3bac6545df731067ada9 Acesso 18/03/2019
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