LYA LUFT*
O mundo, a vida, são mesmo uma
gangorra, ou montanha-russa (gangorra beeem maior). Num dia, numa semana
ou mês, só desgraça: Brumadinho, o clube de futebol com meninos
queimados vivos, o resto todo pelo país. O fora do Trump que caiu fora -
mas, pelo menos de longe, para uma mera observadora e também
espectadora de CNN, BBC e outras, ele tinha razão: o Foguetinho, como o
chamou o americano, veio com exigências inaceitáveis. Nunca saberemos ao
certo.
Vai daí que pelo Brasil se monta uma praça da alegria
como poucas: o Carnaval. Nada tenho contra Carnaval (na minha
adolescência, cheirava-se lança-perfume em público sem atinar com nada
demais, aliás a gente não tinha muita ideia de nada e éramos felizes
inocentes) nem festas nem celebrações, ao contrário. Acho que todos
merecemos um brevíssimo delírio, desde que a gente se proteja do mal,
amém.
Mas que é esquisito, é: há dias ou horas chorávamos
pelos mortos de Brumadinho e pelos que continuarão emparedados na lama
agora feita concreto, pelos familiares, pelas populações ribeirinhas do
rio envenenado, que, como as de Mariana, talvez fiquem anos sem seu
sustento, sua água, sua vida, ganhando - com sorte - dos responsáveis
algo parecido com esmolas.
Há poucos dias, ou horas, a gente chorava pelos 10
meninos queimados vivos no clube de futebol carioca; também as famílias
não parecem ainda ter recebido nenhuma compensação (se isso existe para a
perda de um filho) ou oferta muito respeitosa pelas vidas cortadas
daqueles que com certeza seriam, se já não eram, arrimo de suas
famílias. Um dos meninos tinha dedicado seu primeiro pequeno salário a
ajudar a avó a pagar o aluguel; outro pensava no futuro comprar uma
casinha para a mãe; todos tinham, mais do que os comentados sonhos,
vidas pela frente.
Mas passamos da lágrima ao rebolado com fantasia e
tudo, numa alegria que, se for real, é bem-vinda - mas suspeito que em
muitos casos possa ser máscara para encobrir os dramas maiores ou
menores: dinheiro curto, saúde mal atendida, emprego escasso, esperança
tremulazinha... Algum desconforto se espalha pelo país e nem sei direito
por quê: talvez os anos de confusão tenham nos deixado impacientes.
Possivelmente porque tudo estava tão caótico que serão
precisos anos de democracia com firmeza para consertar o que andava tão
desconsertado.
Seja como for, do meu refúgio na Serra e no mato, darei
pela televisão umas espiadas nos festejos. (Sim, eu vejo muita
televisão e a cada dia descubro melhores programas: entrevistas,
concertos clássicos, jazz, música brasileira, filmes, natureza - que
muito me consola.) As estonteantes escolas de samba merecem ser
admiradas.
No mais, acho que vou sambar mesmo com os bugios, as
borboletas, e me alegrar com o pedaço da família que vai estar lá
comigo. Para começar, as netas deslumbrantes. Essas que desde pequenas,
junto com seus tantos primos, me diziam que eu era "uma vó muito
divertida". E isso, para mim, era - e ainda é - uma celebração diária,
muito melhor do que o melhor dos Carnavais.
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* Escritora
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=afbb6683d0198f2bdcdb452d71fc373f -Acesso 04/03/2019
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