sexta-feira, 22 de março de 2019

Relatos de 'vidas passadas' são colhidos por pesquisadores em Minas Gerais


Ciência e religião se unem no estudo sobre as memórias que seriam de outras vidas Foto: Shutterstock
Ciência e religião se unem no estudo sobre as memórias que seriam
de outras vidas -  Foto: Shutterstock

'Levantamento Nacional de Casos Sugestivos de Reencarnação', da Universidade Federal de Juiz de Fora, colhe depoimentos para depois investigar os mais surpreendentes

Élcio Braga
22/03/2019

RIO - A cena martela a cabeça da advogada Janaína de Franco, de 42 anos, desde a infância: uma moça atravessa uma pacata rua no bairro de Piedade, na Zona Norte do Rio, e se depara com um carro preto em velocidade. Momentos depois, vê a mãe lamentando a morte da jovem, diante do corpo. Janaína acredita que a vítima desse atropelamento, que teria ocorrido entre 1910 e 1920, tenha sido ela, aos 16 anos, em outra vida. 

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Em busca de casos como esse, o Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes), da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), lançou o inédito “Levantamento Nacional de Casos Sugestivos de Reencarnação na População Brasileira”. Na primeira semana de cadastramento on-line, mais de cem pessoas fizeram relatos de lembranças que seriam de uma outra vida. 

A pesquisa é liderada pelo psiquiatra e diretor do Nupes, Alexander Almeida-Moreira, em parceria com o professor Jim Tucker, da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. Foi lá, a partir dos anos 1960, que o psiquiatra Ian Stevenson coordenou, por quase 50 anos, um grupo que investigou uma série de experiências espirituais, entre as quais a reencarnação. 

Olhar científico

Agora, a proposta é oferecer às supostas lembranças de outras vidas um olhar mais apurado de psiquiatras e pesquisadores. 

— Nosso objetivo é fazer um grande banco de casos de pessoas que relatam suposta memória de vida passada, para que possamos realmente avançar nesse entendimento. Até hoje, a maior parte das pesquisas foi feita nos Estados Unidos e na Europa. A ideia é entender como essas situações acontecem no Brasil, que características possuem e o quanto, efetivamente, essas memórias podem ser sugestivas e precisas em relação a uma alegada vida passada — observa Almeida-Moreira, também coordenador das seções de Espiritualidade e Psiquiatria da Associação Mundial de Psiquiatria e da Associação Brasileira de Psiquiatria. 

A comprovação de dados nos relatos dos participantes constará na segunda fase do levantamento, no ano que vem. Na primeira fase, prevista até o fim do ano, haverá apenas o cadastramento. A pesquisa conta com apoio financeiro da Fundação Bial, que incentiva estudos científicos em neurociências. 

— Alguns dos casos sugestivos de reencarnação serão pesquisados in loco, a fim de se investigar com mais detalhes a precisão e possibilidade de acesso da criança ou familiares às informações de uma suposta vida passada — promete Almeida-Moreira. 

A maior parte dos relatos, segundo o diretor do Nupes, costuma ser impreciso e genérico, como mostrou estudo de Stevenson com mais de dois mil casos pesquisados. 

Um dos casos investigados academicamente foi o de Purnima Ekanayake, nascida em 1987, no Sri Lanka. Segundo o psiquiatra Erlendur Haraldsson, da Universidade da Islândia, ela, aos 3 anos, dizia ter sido, em outra encarnação, um homem que morreu atropelado, quando seguia de bicicleta para o templo de Kelaniya, onde vendia incenso da marca Geta Pichcha. 

— Quando se foi investigar lá, identificou-se um vendedor cujo irmão vendia incenso da mesma marca, a Geta Pichcha, no templo. E esse irmão morreu realmente atropelado quando ia vender incenso (em 1985) — conta Almeida-Moreira. 

O curioso, observa o psiquiatra, é que a lesão que gerou o óbito do vendedor se localizava na mesma área da marca de nascença de Purnima. 

— A menina tinha marcas de nascença, manchas brancas, na região abaixo das costelas. O laudo de necropsia do rapaz mostra que a morte se deu por fratura das costelas, mais nas partes baixas. E essas costelas perfuraram o pulmão e o fígado. Essa criança fez ao todo 20 afirmações sobre suposta vida passada: 14 eram verídicas, três eram incorretas e três eram indeterminadas. Não dava pra saber se eram verdadeiras ou não. Esse é um exemplo de um caso que foi bem investigado — ressalta o psiquiatra. 

Religião e ciência se unem na busca por explicações

A crença em reencarnações faz parte de várias religiões, como o budismo e o espiritismo, mas também consegue seguidores em outros credos. Alexander Almeida-Moreira pontua que 44% dos católicos brasileiros acreditam em vidas após a morte — o que iria contra os preceitos da própria religião. 

— Cerca de uma em cada quatro pessoas no mundo defendem essa crença. Uma em cada três pessoas nos Estados Unidos acredita em reencarnação. No Brasil, segundo dados recentes, 37% acreditam totalmente na reencarnação, 18% têm dúvidas — diz o líder da pesquisa, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora. 

Mas não é só a religião que busca respostas sobre esses relatos de vidas passadas. A ciência também busca entender o que exatamente são essas manifestações de supostas memórias em encarnações.
— Entre situações bastante precisas, em que não há evidência de fraude deliberada, a primeira hipótese se chama criptomnésia, uma memória oculta. Será que essa criança teve acesso a essa informação de alguma forma: vendo na televisão, ouvindo alguém comentar, ou visitando um lugar? Mesmo não lembrando conscientemente, ela reproduz essa informação — observa Almeida-Moreira.
Uma outra hipótese refere-se à memória genética. Seria o caso quando, de alguma forma, a pessoa lembra ser, supostamente, a reencarnação do avô ou do bisavô. 

— A memória desse avô teria passado geneticamente para ela. Mas,  do ponto de vista científico atual, as nossas memórias não passam geneticamente. Não há herança das memórias adquiridas para os nossos descendentes. E, mesmo que isso fosse possível, a maior parte dos casos ocorre fora da família. Não há uma linhagem genética. Não teria como passar essas informações via genética, via biológica — pondera o psiquiatra. 

Há mais explicações "menos ortodoxas", mas fora do campo científico, conta Almeida-Moreira: 

— A criança teria alguma percepção extra-sensorial. Um processo telepático, ou uma clarividência, em que ela obteria informações por vias extrassensoriais sobre aquela outra vida e que ela manifestaria isso. Outra hipótese seria a da sobrevivência da consciência. De alguma forma, efetivamente, aquela consciência, após a morte do corpo físico, sobrevive e ela se manifesta naquela criança. 
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