domingo, 24 de março de 2019

Somos 7bilhões de solitários


André Soltau* 
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“Em se tratando de crises pessoais, parece existir um consenso de que o melhor remédio é a solidão”

                Em 1719, quando o escritor inglês Daniel Defoé lançou o romance Robinson Crusoé, a Modernidade estava em seu auge defendendo o racionalismo, o individualismo e o sucesso a qualquer preço. Sua história foi popularizada em diferentes versões para o cinema - com direito a inspirar outras como no filme O Naúfrago (Direção Robert Zemeckis. Ano 2000) - resiste ao tempo e arriscaria algumas hipóteses sobre os motivos que mantém viva a trajetória do sobrevivente de um naufrágio e suas artimanhas para sobreviver em uma ilha deserta acompanhado de um amigo que não se comunica com ele pela palavra - Crusoé tem a companhia de Sexta-feira, nome que identifica o dia em que apareceu na ilha já não tão deserta; e um Wilson, boneco montado com uma bola velha e palha para servir de companhia ao personagem de Tom Hanks.

                  Em se tratando de crises pessoais, parece existir um certo consenso de que o melhor remédio é a solidão. O isolamento serve para que observemos melhor nossos limites e as armadilhas que nossas vidas aprontam. SPAs, praias, casa na serra ou tranca sua porta, tira o telefone do gancho, desliga celular e “se vê” no frenético mundo das emergências em que tudo é aqui, já e para hoje.
            O fato é que esse blá-blá-blá romântico é a síndrome contemporânea. Cada dia um número maior de pessoas está só. Em um país como o Brasil, segundo dados do censo IBGE, mais de 4 milhões de pessoas moram sozinhas. Vendo os dados lembrei da frase do filósofo Mcluhan: “Os homens criam as ferramentas e as ferramentas recriam os homens”. A vida está mostrando que a solidão não serve para revermos nossos mundinhos pessoais e sim que vejamos nossas próprias criações humanas determinando o que somos, pensamos fazemos ou queremos.
            A solidão é um mal contemporâneo. Alguns países a tratam como doença que prejudica a sociedade como um todo. Os dinamarqueses possuem 36 % de sua população atingida pela solidão; 35% dos ingleses, 30% dos Alemães e chega a 50% dos moradores da romântica Paris. Outro dado curioso é que nesses países os índices de suicídios são alarmantes.
            No cenário tecnológico do século XXI, como explicamos que vivemos imersos em imagens em uma cultura midiática que torna as vidas privadas um espetáculo e as redes sociais colocam todos os dias muitas pessoas em contatos virtuais. Temos acesso imediato às informações que estão literalmente ao alcance de nossas mãos em brinquedinhos eletrônicos cada vez menores. Quanto maior o grupo de amigos que nos seguem em algum site de relacionamentos mais solitários parecemos estar e os encontros são mais virtuais do que pessoais. A solidão é u m grande problema do presente e tende a ser um problema ainda maior no futuro. A Organização Mundial da Saúde estima que mais de um milhão de pessoas se suicidem por ano tanto que criou o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio em 10 de setembro.
            Os humanos sempre procuraram formas de acalentar seus momentos solitários criando deuses para si, buscando soluções e criando expectativas em outros humanos, apropriando-se de vícios, jogos leituras, músicas ou filmes. Com o consumo não funciona assim. A cultura do efêmero mundo consumista oferece uma abundante e variada gama de objetos de desejo ao alcance das possibilidades de nossos bolsos. Abundância que cresce na mesma proporção em que nos tornamos sós.
            Vivemos um medo constante que é estendido para a educação aos filhos. Ofertamos objetos de última geração compensando-os pelas nossas falhas e ausências. Como Crusoé - nosso personagem literário - mantemos uma comunicação com os objetos sem um retorno. Falamos sós. Sonhamos com o que está a venda em lojas virtuais ou reais. O desejo pelo novo é tão compulsivo a ponto de não percebermos que os objetos que compramos começam a desvalorizar assim que o agarramos. Uma vez adquiridos, o celular/carro/roupa/bolsa perde seu sentido e o nosso de desejo de possuir não se encerra com o produto em nossa propriedade. Logo terá outro produto que chamará nossa atenção. Somos colecionadores de múltiplos atos de compra e venda e não de atos solidários.
            Assim, chegamos às nossas identidades. Os objetos nos dão o direito de participar em uma comunidade mundial: os consumidores e frequentar os seus locais de encontros: os shoppings. Só existimos se consumimos certos tipos de bens (com marca reconhecida e status de privilégios). Um celular ou carro só existem enquanto o modelo novo não chega às lojas. Nós? Vamos trabalhando para pagar o modelo velho em uso, adquirir dinheiro para comprar o modelo novo e, enfim desfilar diante de olhos seduzidos pela fantasia de também tê-lo.
            Esse movimento frenético e constante alimenta o mundo ocidental e vai tomando, aos poucos, o oriental. Afundamos em empréstimos intermináveis que nos privam das coisas básicas da vida em nome do status de possuir. Status de ser! Ser o que mesmo? Eis a aldeia global. Afinal não estamos sós. Temos o direito de participar do mágico universo fashion. Os objetos que compramos parecem dar à gente o sentindo de existência. Fazem de nós colecionadores de atos de compra. Com essa solidão não se brinca.
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* Jornalista

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