André Soltau*
“Em se tratando de crises
pessoais, parece existir um consenso de que o melhor remédio é a solidão”
Em 1719, quando o escritor
inglês Daniel Defoé lançou o romance Robinson Crusoé, a Modernidade estava em
seu auge defendendo o racionalismo, o individualismo e o sucesso a qualquer
preço. Sua história foi popularizada em diferentes versões para o cinema - com
direito a inspirar outras como no filme O Naúfrago (Direção Robert Zemeckis.
Ano 2000) - resiste ao tempo e arriscaria algumas hipóteses sobre os motivos
que mantém viva a trajetória do sobrevivente de um naufrágio e suas artimanhas
para sobreviver em uma ilha deserta acompanhado de um amigo que não se comunica com ele pela palavra - Crusoé tem a companhia de
Sexta-feira, nome que identifica o dia em que apareceu na ilha já não tão
deserta; e um Wilson, boneco montado com uma bola velha e palha para servir de
companhia ao personagem de Tom Hanks.
Em se tratando de crises
pessoais, parece existir um certo consenso de que o melhor remédio é a solidão.
O isolamento serve para que observemos melhor nossos limites e as armadilhas
que nossas vidas aprontam. SPAs, praias, casa na serra ou tranca sua porta,
tira o telefone do gancho, desliga celular e “se vê” no frenético mundo das
emergências em que tudo é aqui, já e para hoje.
O fato é que esse blá-blá-blá romântico é a síndrome
contemporânea. Cada dia um número maior de pessoas está só. Em um país como o
Brasil, segundo dados do censo IBGE, mais de 4 milhões de pessoas moram
sozinhas. Vendo os dados lembrei da frase do filósofo Mcluhan: “Os homens criam
as ferramentas e as ferramentas recriam os homens”. A vida está mostrando que a
solidão não serve para revermos nossos mundinhos pessoais e sim que vejamos
nossas próprias criações humanas determinando o que somos, pensamos fazemos ou
queremos.
A solidão é um mal contemporâneo. Alguns países a tratam
como doença que prejudica a sociedade como um todo. Os dinamarqueses possuem 36
% de sua população atingida pela solidão; 35% dos ingleses, 30% dos Alemães e
chega a 50% dos moradores da romântica Paris. Outro dado curioso é que nesses
países os índices de suicídios são alarmantes.
No cenário tecnológico do século XXI, como explicamos que
vivemos imersos em imagens em uma cultura midiática que torna as vidas privadas
um espetáculo e as redes sociais colocam todos os dias muitas pessoas em
contatos virtuais. Temos acesso imediato às informações que estão literalmente
ao alcance de nossas mãos em brinquedinhos eletrônicos cada vez menores. Quanto
maior o grupo de amigos que nos seguem em algum site de relacionamentos mais
solitários parecemos estar e os encontros são mais virtuais do que pessoais. A
solidão é u m grande problema do presente e tende a ser um problema ainda maior
no futuro. A Organização Mundial da Saúde estima que mais de um milhão de
pessoas se suicidem por ano tanto que criou o Dia Mundial de Prevenção ao
Suicídio em 10 de setembro.
Os humanos sempre procuraram formas de acalentar seus momentos
solitários criando deuses para si, buscando soluções e criando expectativas em
outros humanos, apropriando-se de vícios, jogos leituras, músicas ou filmes.
Com o consumo não funciona assim. A cultura do efêmero mundo consumista oferece
uma abundante e variada gama de objetos de desejo ao alcance das possibilidades
de nossos bolsos. Abundância que cresce na mesma proporção em que nos tornamos
sós.
Vivemos um medo constante que é estendido para a educação
aos filhos. Ofertamos objetos de última geração compensando-os pelas nossas
falhas e ausências. Como Crusoé - nosso personagem literário - mantemos uma
comunicação com os objetos sem um retorno. Falamos sós. Sonhamos com o que está
a venda em lojas virtuais ou reais. O desejo pelo novo é tão compulsivo a ponto
de não percebermos que os objetos que compramos começam a desvalorizar assim
que o agarramos. Uma vez adquiridos, o celular/carro/roupa/bolsa perde seu
sentido e o nosso de desejo de possuir não se encerra com o produto em nossa
propriedade. Logo terá outro produto que chamará nossa atenção. Somos
colecionadores de múltiplos atos de compra e venda e não de atos solidários.
Assim, chegamos às nossas identidades. Os objetos nos dão
o direito de participar em uma comunidade mundial: os consumidores e frequentar
os seus locais de encontros: os shoppings. Só existimos se consumimos certos
tipos de bens (com marca reconhecida e status de privilégios). Um celular ou
carro só existem enquanto o modelo novo não chega às lojas. Nós? Vamos
trabalhando para pagar o modelo velho em uso, adquirir dinheiro para comprar o
modelo novo e, enfim desfilar diante de olhos seduzidos pela fantasia de também
tê-lo.
Esse movimento frenético e constante alimenta o mundo
ocidental e vai tomando, aos poucos, o oriental. Afundamos em empréstimos
intermináveis que nos privam das coisas básicas da vida em nome do status de
possuir. Status de ser! Ser o que mesmo? Eis a aldeia global. Afinal não
estamos sós. Temos o direito de participar do mágico universo fashion. Os
objetos que compramos parecem dar à gente o sentindo de existência. Fazem de
nós colecionadores de atos de compra. Com essa solidão não se brinca.
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* Jornalista
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