sexta-feira, 22 de março de 2019

Você tem vergonha de ser brasileiro?


 Ruth De Aquino
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Não dá para banalizar sofrimento ou espetacularizar atos de ódio. Precisamos de esperança, arte e cultura 

Pode ser um mês. Pode ser um ano ou uma década. Estar fora não faz o Brasil sair da gente. Nossas belezas e mazelas vão na mala de rodinhas e no celular. Nosso sotaque nos acompanha, e junto vai a saudade da família, vai o jeito criativo e caloroso. Pode estar na Islândia, em Paris, na Patagônia, em Nova York, o brasileiro compartilha freneticamente memes, verdades e mentiras por WhatsApp. 

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É um choque ver sucessivas prisões de ex-presidentes ou ex-governadores por corrupção na Lava-Jato. A cada tragédia criminosa como as de Brumadinho e do Ninho do Urubu, a cada assalto com fuzil, bala perdida, inundação na sua esquina, feminicídio com rostos destroçados de mulher... a cada agressão covarde de PMs ou crime da milícia sem-vergonha... a cada “ato falho” da família Bolsonaro que transforma migrantes carentes em “vergonha nossa”, ou a cada besteirol de ministros e secretários ungidos por Deus acima de todos, a gente pensa: tenho vergonha de ser brasileiro? 

Gosto de ser brasileira e carioca. Sou daqui, desse mar e dessas montanhas. O Rio de Janeiro, mesmo castigado, é deslumbrante. Há resistência cultural, moral e cívica em cada canto do país. É só olhar para o outro lado do espelho e vamos encontrar talento, alegria e solidariedade. Não podemos deixar uma maré de ignorância básica e cosmovisão cristã ou um discurso de esfola-e-mata nos subjugar ou derrotar nossa autoestima. 

Por que a gente teima em voltar para o Brasil? Como morei cinco vezes na Europa, ouvi bastante essa pergunta. Desde os anos 1970. Voltar por quê, tá louca? O Brasil está numa crise imensa! Já vivemos temporadas obscuras. E jamais pensei em não voltar. Não tenho vocação para emigrar definitivamente para outro país. Teria uma vida mais sossegada. Mas seria mais triste. 

O vento de intolerância sopra por todo lado. França, Holanda, Alemanha, Espanha, Grã-Bretanha, Estados Unidos. Há terror, ânsia de separatismo, preconceito, temor da extrema-direita. Falta empatia e sobram muros. Nem falo de China, Rússia e África. Vemos êxodos de crianças famintas. Déspotas populistas, ditadores. 

No Brasil, temos chance de contribuir para mudar. O que me envergonha é ver meu país expulsando o povo por falta de dois direitos fundamentais: Educação e Saúde. Em quase toda família que conheço, um casal jovem tenta emigrar porque não consegue manter filhos em escolas particulares e não há rede pública de qualidade. Idosos não conseguem um plano de saúde digno e e acessível. Buscam no exterior menos sobressaltos, mais civilidade e retorno para os impostos que pagam. 

Esse foi um verão calorento que culminou num massacre em escola de São Paulo. A overdose no noticiário não ajudou. Estamos sensacionalistas demais. Nesse pós-carnaval e pós-tuite escatológico, não suportei o massacre de vídeos chocantes e depoimentos lacrimejantes sobre Suzano, que se repetiam ad nauseam por falta de informação nova. Desliguei. Não dá para banalizar o sofrimento ou espetacularizar atos de ódio. Precisamos de uma cota de boas notícias, uma injeção de esperança, arte e cultura. Nesse Brasil brasileiro, a gente esconde o que tem de bom. 
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* Colunista do Jornal O Globo.
Imagem da Internet 

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