segunda-feira, 18 de março de 2019

UMA INSTITUIÇÃO QUE FALIU

 RICARDO GIULIANI NETO*
 
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O tribunal popular perdeu o sentido, reduziu-se ao espetáculo e ao cênico. Nas tragédias, embebeda manchetes e noticiários; no cotidiano da "justiça", o Júri empanturra-se de desvalidos.

Desde que o Concílio de Latrão, no longínquo 1215, aboliu os "juízos de Deus" e deu feição secular, política e estatal aos julgamentos humanos, o Júri foi fundamental na estruturação do Direito e do Estado moderno. Seus fundamentos perderam-se no tempo e a razão da sua existência - interdição política ao antigo sistema judicial nobiliário -, nos moldes de hoje, esvaiuse no anacronismo funcional e no gosto pela teatralização ostentado por advogados e promotores. Sobre opiniões temos disposição, já sobre os fatos, nem tanto assim.

O século 21 pede um Direito e um posicionamento societal adequados ao combate eficiente da macrocriminalidade. O Direito Penal nunca resolveu as questões da humanidade, e sua exacerbação na versão verborrágica do Direito Penal do Inimigo (G. Jackobs), muito menos. Corrupção, sonegação de impostos, meio ambiente etc. pedem mais sociedade e menos Estado na tomada de decisões e no estabelecimento de interdições jurisdicionais acerca de condutas que agridem a coletividade. Os delitos do indivíduo, no caso do Júri (CF. art. 5º. XXXVIII), merecem tão somente um juiz de Direito. O Júri, o conselho de cidadãos, precisa evoluir para, em moldes de escabinato (júri misto, formado por juízes e cidadãos), julgar e valorar as ações com potencial ofensivo à sociedade.

O Tribunal do Júri, construção política e social que remonta às organizações tribais, traz consigo o viés estruturante de que o destino da sociedade deve subordinar-se ao juízo de valor expresso pela sua coletividade, subordinando o indivíduo às regras comunitárias do tempo em que tais regras devem operar socialmente. No Brasil, o Júri chega em 1822 para julgar os crimes de imprensa. Naqueles idos - e notem como adoramos e praticamos a categoria protojurídica do "me engana que eu gosto" -, dizia a lei de 18 de junho que o Júri seria formado por 24 cidadãos "bons, honrados, patriotas e inteligentes". Sim, o povo seria julgado pelos seus pares e o veredito, não fosse o príncipe, seria soberano. Lindo! Veja a vida real escancarando tribunais formados por servidores públicos, aposentados e alguma classe média. Julgam os seus "iguais". Segundo o Judiciário, mais de 70% dos réus são pardos, negros, pobres e desvalidos.

Sim, se manchetes polpudas surgirem por aí, armar-se-á o aparato cênico. Mármores, cafezinhos, capas pretas esvoaçantes e atores declamando barbaridades com ares e olhares de sabedoria. Ou, sem holofotes e manchetes, seria só a pretensão de repor "os juízos de Deus" aos anônimos de todos os dias?
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*  Mestre e doutor em Direito, artista plástico, escritor ricardo@trevisangiuliani.com.br
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=9119bd21dd1bca0a9ae6fd8379c237b9 18/03/2019
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