Claúdio Moreno*
Os antropólogos sustentam que todo mito transmite algum saber valioso para nossa experiência. Há uma história, por exemplo, que nos mostra o quanto sofrem algumas almas infelizes por causa de um amor perdido. No tempo em que os deuses do Olimpo costumavam se unir às mulheres da terra, Clítia, ninfa de rara beleza, foi uma das inúmeras aventuras de Hélio, o deus do Sol, que a amou por um breve período, até trocá-la por uma nova conquista. Para ele, eterno peregrino, era muito fácil afastar-se, mas ela, perdidamente apaixonada, sentiu como se lhe arrancassem um pedaço da própria alma. Como a vida sem ele parecia impossível, deixou-se ficar imóvel no topo da montanha, esquecida de si, acompanhando, com os olhos ofuscados pela luz cegante do astro, a trajetória que ele descrevia todos os dias no firmamento. Insensível à fome e à sede, ela foi se esvaindo aos poucos, perdendo o viço e a cor, até que alguma deusa piedosa, para pôr um fim em seu sofrimento, transformou-a numa flor que até hoje acompanha o curso do Sol.
Um contraponto a este trágico destino é a lenda que Plínio usa, em sua História Natural, para explicar como nasceram as artes plásticas. Butades, mestre ceramista que vivia em Corinto, tinha uma filha que era bela, jovem e apaixonada como a triste Clítia e que, também como ela, caiu em desespero quando o homem que amava anunciou que precisava deixar a cidade por tempo indeterminado. A história não revela o motivo da viagem, mas a jovem, com a clarividência que as mulheres têm nessas horas, pressentiu que ele ia se afastar para sempre.
Na noite da despedida, num impulso derradeiro, aproveitou a sombra que a luz da vela projetava na parede e riscou, com um pedaço de carvão, o contorno daquele rosto que nunca mais iria ver. Era um traçado precário, mera sombra de uma sombra, mas valia muito para a jovem pelas lembranças que trazia. Butades, bom pai, percebendo o quanto aquilo atenuava o sofrimento da filha, convenceu-a a deixá-lo fazer um molde do desenho; para isso, aplicou sobre ele uma espessa camada de argila, que removeu com cuidado e cozeu no forno, obtendo um retrato durável, com peso e volume, que ela podia abraçar e carregar consigo sempre que quisesse. Segundo Plínio, quando os romanos conquistaram Corinto, alguns séculos depois, o retrato ainda existia, preservado em um dos templos da cidade. Ele nada nos diz sobre a moça, mas podemos presumir que tenha terminado bem, não permitindo, ao contrário de Clítia, que a tristeza da perda arruinasse sua vida. É muito bom ser assim; infelizmente, nem todos têm esta sorte.
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