CLÁUDIO MORENO*
Ao meu pai.
Pais e filhos – este é o tema da cena magistral que Homero escolheu para encerrar a sua Ilíada. No mais famoso confronto de toda a guerra de Troia, Aquiles, o grande guerreiro grego, filho de uma deusa e de um mortal, venceu facilmente a Heitor, o mais valoroso dos troianos. Não satisfeito em matar Heitor, Aquiles amarrou o corpo no seu carro e o arrastou pelo pó da planície até o acampamento grego, onde o deixou insepulto, para ser devorado pelos cães famintos que rondavam, aos bandos, o campo de batalha. Do alto das muralhas da cidade, entre os troianos que assistiam estarrecidos à morte de seu herói, ninguém se desesperou mais do que Príamo, seu pai, o velho rei de Troia, por não poder dar ao filho um digno funeral, dentro dos antigos ritos.
Lá em cima, no Olimpo, os deuses também se indignaram com o triste destino de Heitor: ele era um homem justo, um grande guerreiro, e não merecia esse derradeiro ultraje. A uma ordem de Zeus, o cadáver do herói foi coberto por um bálsamo divino que o protegia da putrefação; Íris, a deusa mensageira, foi sugerir a Príamo que oferecesse um rico resgate pelo corpo, como era costume entre os gregos, enquanto a deusa Tétis, mãe de Aquiles, foi até sua tenda para convencê-lo a devolver Heitor a sua família.
À tardinha, acompanhado de um velho cocheiro, Príamo deixou então a cidade e rumou para o acampamento grego, no outro extremo da planície, com uma pesada carreta abarrotada de riquezas. A noite, porém, caiu sobre os dois velhinhos, e eles teriam se extraviado naquela escuridão se Hermes, o deus dos caminhos, não viesse socorrê-los, guiando-os até o campo inimigo. Lá, o deus adormeceu os guardas e o carro pôde passar despercebido, deixando Príamo, finalmente, diante da tenda de Aquiles. Este ficou paralisado de surpresa quando o ancião, surgindo do meio da noite, arrojou-se no solo, à sua frente, e beijou-lhe, suplicante, a mesma mão que tinha empunhado a espada assassina: “Dá o meu Heitor de volta, Aquiles! Pensa no teu pai, que também deve ter cabelos brancos, e deve te amar como eu amei meu filho!”.
Ouvindo as trêmulas palavras do rei, Aquiles lembrou com tristeza que seu pai, o velho Peleu, devia estar lá longe, na Grécia, esperando seu retorno, sem saber que um oráculo havia predito que ele não voltaria vivo da guerra. Comovido, ele retirou mansamente a sua mão das mãos de Príamo, e os dois, frente a frente, unidos pelo mesmo sentimento de dor e solidão, irromperam num pranto comum que veio encher a imensidão daquela noite com os seus soluços – não mais como dois inimigos, mas como dois simples homens que choravam a infinita saudade de todos os pais e de todos os filhos que nunca mais vão se ver. (Publicado em 15/08/2005)
*Escritor e colunista da ZH - 11/08/2009
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