José Luiz Quadros de Magalhães*
"De tanto ver triunfar as nulidades;
de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça;
de tanto ver agigantarem-se os poderes nas
mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude,
a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto".
A advertência de Rui Barbosa (1849-1923)
parece muito atual,
e o risco é o descrédito com
a política,
as instituições e
os valores.
Mundo Jovem: Existe uma cultura de que a corrupção e a desonestidade são exclusivas dos políticos?
José Luiz Quadros de Magalhães: A mídia, e especialmente a grande mídia, tem vinculado a corrupção com o estado e os políticos. Em primeiro lugar é importante lembrarmos que os vereadores, deputados estaduais e federais, senadores, prefeitos, governadores e o presidente da república são representantes do povo, escolhidos livremente pelo voto secreto. Precisamos acompanhar o trabalho dos nossos representantes que devem atuar seguindo a nossa vontade e não mais votarmos naqueles que não cumprem corretamente as suas funções.
Em segundo lugar, não existe corrupção sem a presença de dois polos nesta relação criminosa: o corruptor e o corrompido. A grande mídia fala apenas nos corrompidos que seriam, quase que exclusivamente, os políticos. E quem é o outro lado desta relação? Quem paga as campanhas eleitorais para conseguir contratos com o estado posteriormente? Quem se beneficia dos gastos públicos em obras, em fornecimento de bens para a administração pública. Precisamos buscar o outro lado desta relação. A corrupção não ocorre só na política e a política reflete valores presentes em nossa sociedade. Não podemos ficar eternamente colocando a culpa em políticos que nós mesmos escolhemos. A grande mídia que só coloca a culpa nos políticos quer na verdade desmoralizar o estado e a democracia.
MJ - A corrupção seria fruto dos valores do mundo atual?
José Luiz Quadros de Magalhães: Realmente, podemos nos perguntar se não seria a sociedade de consumo em que vivemos, onde as pessoas valem pelo que têm e não pelo que são, um fator preponderante nestas condutas? Será que uma sociedade fundada no individualismo, no egoísmo, na competição e na acumulação de bens tem futuro?
A competição e o individualismo, valores saudados como fundamentais em nosso sistema econômico, reflete-se de diversas formas na vida social. Vivemos em uma sociedade da competição permanente: na TV os programas escolhem a melhor música, o melhor cantor, o melhor filme e nós reproduzimos isso no dia-a-dia, quando escolhemos o melhor sanduíche, a melhor pizza, o melhor amigo, o melhor isto e o melhor aquilo. O problema da sociedade do melhor é que nós estamos desaprendendo a viver com a diversidade, com a pluralidade. Por que escolher a melhor música se podemos conhecer muitas músicas boas? Por que escolhermos a melhor pizza se podemos experimentar pizzas diferentes e boas? Por que as coisas não podem ser simplesmente diferentes?
A competição e o egoísmo refletem-se em coisas pequenas do nosso cotidiano: desde o motorista do carro que não dá passagem, ao cara que fura a fila do cinema, o comportamento predominante é o “tenho que me dar bem e o outro que se dane”. É claro que uma sociedade fundada nestes valores não pode ter futuro. Isso pode virar uma guerra de todos contra todos. Precisamos resgatar a solidariedade e a noção de comunidade como valores sociais fundamentais. A solidariedade pode acabar com a corrupção, fruto da cultura do “se dar bem” a qualquer custo.
MJ - Qual o grau de participação dos políticos na manutenção da corrupção e desonestidade no país?
José Luiz Quadros de Magalhães: Não acredito que os políticos tenham uma responsabilidade maior na manutenção da corrupção. Os políticos não são a causa do problema. Como disse acima, a causa está, entre outros fatores, em uma sociedade que reconhece como valor supremo o sucesso pessoal representado pela acumulação de bens. É a sociedade do salve-se quem puder. Reparem que isso se reflete no seu dia-a-dia nas pequenas coisas: no trânsito, nas filas, no campo de futebol, no trabalho, na escola...
MJ - Ser honesto é exceção, o normal é ser corrupto? É possível ser honesto?
José Luiz Quadros de Magalhães: O normal não pode ser a corrupção pelo simples fato de uma sociedade não sobreviver muito tempo a esse valor negativo. O destino da sociedade corrupta é o caos. É claro que é possível ser honesto. E mais, é possível se transformar em uma pessoa honesta. E é muito mais tranquilo ser honesto.
Uma coisa importante é aprendermos com nossas experiências. Na difícil convivência nesta sociedade complexa, fazemos escolhas ou somos levados pela correnteza do cotidiano por caminhos difíceis e que não escolhemos. Nenhuma pessoa é estática, o que significa dizer que o que somos hoje não seremos amanhã. Somos seres históricos. Logo, todos erramos, fazemos escolhas erradas ou somos empurrados como gado a situações que não desejamos. O importante é que mesmo errando podemos aprender com os erros e nos transformar em pessoas melhores. Ninguém está condenado a ser a mesma pessoa. Logo, nunca podemos reduzir uma pessoa a um predicado. Uma pessoa será sempre uma pessoa, histórica e plural.
MJ - E “fazer negócio”, relações econômicas e comerciais não supõem um certo grau de desonestidade?
José Luiz Quadros de Magalhães: Outro dia recebi um folheto de propaganda de um curso no sinal de trânsito, em que estava escrito o seguinte: “Aprenda a vender o mesmo produto do seu competidor por um preço mais alto para o seu cliente”. Realmente questiono muito o valor passado por essa absurda sociedade da competição, na qual o que importa é a vitória, a qualquer preço.
Me pergunto até que ponto alguns cursos de administração e negócios não ensinam isso. Bom, o efeito deste absurdo está na crise em que vivemos e que se instalou de forma mais radical no final de 2008. O neoliberalismo reproduziu esses valores negativos desde a década de 1980 e agora começamos a sentir seus efeitos mais perversos. A crise foi gerada por esses valores que só podem resultar em ganância desenfreada. Para estabelecer relações econômicas ou fazer negócios não é necessário a desonestidade. A desonestidade é fruto da perda dos limites em uma sociedade que idolatra a competição e o sucesso.
MJ - Copiar trabalho da internet, não estudar... buscar sempre o caminho mais fácil não são sintomas de desonestidade na escola, entre os jovens?
José Luiz Quadros de Magalhães: Sim, isso é muito grave. O problema maior no campo da educação é que ela se transformou, nesta sociedade de consumo, em um produto, e o aluno em um consumidor. Isso é o fim da escola. A pior consequência é que o aluno, muitas vezes, acredita que o objetivo do curso é o diploma e não o aprendizado, que é uma grande ilusão. Ora, se o objetivo é o diploma, o professor, o aprendizado, o curso enfim, passa a ser um obstáculo para se chegar ao diploma. Perde-se a percepção de que é o aprendizado que importa. Assim, em uma típica e inútil relação de consumo o aluno compra a prazo seu diploma para depois pendurar na parede de sua casa. Existem cursos em que alguns alunos saem piores do que entraram, em outros alguns saem ilesos. O pior de tudo é quando encontramos alunos que não querem saber: em meio a tanta informação disponível vivemos o fenômeno da incuriosidade.
MJ - Há possibilidade de reverter esse quadro?
José Luiz Quadros de Magalhães: É claro que é possível reverter. Precisamos refundar nossa sociedade. Precisamos de solidariedade, fraternidade, diálogo, diálogo, diálogo... Não precisamos de tantas bugigangas, de tanto consumo. Não precisamos do egoísmo e a competição deve ficar para a sadia disputa dos esportes, em que deveria ser mais importante a diversão.
Entrevista na Revista MUNDO JOVEM de setembro de 2009.
*José Luiz Quadros de Magalhães, professor da PUC-Minas e diretor do Centro de Estudos Estratégicos do Estado (CEEDE).
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