domingo, 23 de agosto de 2009

Fernando Henrique, drogas e o aprendizado da ex-presidência

Paulo Ghiraldelli*

Fernando Henrique Cardoso começou sua vida pública de político como candidato ao Senado, fazendo uma dobradinha com Suplicy, então candidato a deputado. Isso foi em 1978. Ele sabia que não conseguiria a vaga, pois o voto popular de oposição, em meio ao regime militar, iria para Franco Montoro, seu companheiro de MDB. Depois, pelo PMDB, amargou uma derrota para Jânio Quadros, na disputa pela prefeitura de São Paulo, em 1985. Sua primeira eleição ganha no voto foi aquela após o breve sucesso do Plano Cruzado, na época do Governo Sarney, também do PMDB. Foi, então, um senador muito bem votado. A partir daí é que Fernando Henrique começou, de fato, a fazer parte dos que poderiam pensar em uma futura candidatura à Presidência da República.

A crise criada pelo assalto aos cofres públicos, executada por Fernando Collor parceiros, permitiu a ascensão de um político que já estava aposentado, Itamar Franco. Fernando Henrique, então no PSDB, foi chamado por Itamar para ocupar um ministério importante, e comandar a economia. Fernando Henrique levou a sério o principal problema do Brasil na época: a inflação. Reuniu uma equipe de técnicos, políticos e professores para enfrentar o problema, que naquela altura já era um fenômeno velho no Brasil. Nosso país estava “escolado” em inflação e planos para seu combate. Assim, com mais um pouco de inteligência e muito de tenacidade e de observação do passado, Fernando Henrique colocou na praça o chamado “Plano Real”. Derrubou a inflação. A Presidência da República estava aberta para ele.

Fernando Henrique Cardoso ocupou a Presidência por oito anos. Pegou o Brasil completamente desestruturado. O que Fernando Henrique herdou não era coisa boa. Era um espólio do regime militar misturado aos anos de governos pouco alvissareiros na democracia – Sarney e Collor, principalmente. O professor de sociologia gastou mais tempo na manutenção do Plano Real, na disputa interna da sua aliança política com os conservadores (o PFL) e, enfim, no seu jogo de xadrez com a oposição de Lula e do PT, do que realmente gostaria. Então, quando terminou seu segundo mandato e passou a faixa para Lula, ele tinha já a certeza de que havia cumprido uma boa tarefa, mas que poderia amargar uma derrota na vitória. Foi o que ocorreu.

Aos poucos, a vida sem inflação foi se tornando a vida normal. Com investimentos na área social que Fernando Henrique não fez, Lula conseguiu uma popularidade inaudita. De fato, era o que o brasileiro queria, após o “êxito do Real”. Não sei se o PSDB poderia ter feito mais do que fez, dado seu caráter antes “republicano” do que “democrático”, isto é, mais voltado para a manutenção da res publica do que para as necessidades do demos. Todavia, se pensamos seriamente nos dois governos somados, FHC e Lula, esses 16 anos foram bem melhores do que quaisquer outros 16 anos de nossa República. Principalmente quanto à estruturação do país para se tornar “emergente”. Assim, a geração política nascida na oposição ao regime militar, mostrou para a história – ao menos para os que sabem ler a história na sua continuidade e não no imediatismo – que a democracia realmente poderia ser um regime melhor para nosso país. Todavia, Fernando Henrique Cardoso, até bem pouco tempo, ainda amargava a derrota na vitória, com uma aparente pitada de ciúmes de Lula, o mesmo ciúmes que Lula, por sua vez, sempre teve de Fernando Henrique Cardoso, por conta dos diplomas deste último e de seu prestígio entre as elites escolarizadas.

Somente depois da morte da esposa, Ruth Cardoso, e, enfim, próximo aos 80 anos, Fernando Henrique Cardoso deu o passo que a minha geração, que votou pela primeira vez em 1978, e que votou nele (ao menos naquela época), esperava dele. Fernando Henrique começou novo trajeto, fazendo o Brasil aprender o que sempre foi a tradição norte-americana, a saber: ex-Presidentes devem voltar à cena política, sim, mas para grandes ações de impacto cultural e humano. Essa tradição americana tão bela e útil, que nunca soubemos copiar, finalmente pode começar a ser aprendida no Brasil. Tudo depende do próprio Fernando Henrique Cardoso. E ele começou bem.
Longe de questiúnculas políticas de quem ainda quer o poder, como Sarney, Lula, Serra e outros jovens ou que se pensam jovens, Fernando Henrique começa, agora, a pensar grande. Dá o passo para que todos aprendam a ser ex-Presidentes. Sua frase atual é excelente: “‘um mundo sem drogas’ é tão difícil quanto um ‘mundo sem sexo’”. Presente à reunião de criação da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, no Rio de Janeiro, Fernando Henrique agora pode falar o que pensa, e então defendeu a descriminação do uso da maconha, a adoção de política de redução de danos e o atendimento a usuário de drogas na rede pública de saúde. E ele disse mais: quando do começo da AIDS, nossa luta foi “em vez de sem sexo, com sexo seguro. Mudou o paradigma. Foi-se para a TV ensinar como se usava camisinha em um país católico. [...] Na época, nos EUA a idéia era não sexo. Aqui era sexo seguro”.

Caso Fernando Henrique Cardoso siga neste caminho, não só poderá dizer, efetivamente, que cumpriu sua missão, mas poderá ser honrado como o primeiro Presidente brasileiro a ensinar outros a serem ex-Presidentes. Podemos ter sorte e ver algum outro aprendendo a lição, e então meus filhos e netos poderão começar a se orgulhar de seus Presidentes. Nos Estados Unidos, o respeito por um ex-Presidente se mostra como algo aprendido, não como uma demonstração de subserviência às instituições democráticas –e o melhor da democracia é poder aprender sempre, sem ter de ouvir ordens. Torço para que possamos desenvolver este tipo de comportamento aqui no Brasil.
*Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo
http://ghiraldelli.pro.br/2009/08/fhc/ Postado 23/08/2009

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