Antonio Carlos Ribeiro*
Esse dia 28 de agosto lembra o discurso proferido
por Martin Luther King Jr em 1963.
O pastor batista de Atlanta conseguia
entusiasmar a multidão.
Temas como a integração da luta pela cidadania,
a afirmação da etnia e a cultura norte-americana
marcam aquela época.
A eleição de Barack Obama faz a história ser revivida
quase cinco décadas depois,
em tom triunfal.
Esses fatos só ganham sentido, se voltarmos meio século no tempo para acompanhar Luther King em sua caminhada como filho de pastor que, ordenado aos 18 anos, estudou no Crozer Seminary e na Boston University, teve sua personalidade firmada em sua família e igreja, foi influenciado pela não-violência de Gandhi, pelo personalismo filosófico de Brightman, pela teologia cristã de Niebuhr, Tillich e Wieman, e pela fenomenologia do Espírito de Hegel. Fatos que nos ajudam a entender sua caminhada.
As ênfases desse pregador associavam as condições de negro e estadunidense, criando possibilidade de integração na sociedade e do sonho de direitos iguais. Seu discurso amplamente divulgado em frente ao Capitólio, I have a Dream (Eu tenho um sonho), era simples e direto. “Queremos apenas a simples concretização do American Dream, um sonho que ainda está por ser cumprido, o sonho da igualdade de chances, de direitos, de propriedade, o sonho de uma sociedade em que as pessoas não são avaliadas pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter, o sonho da irmanação de todas as pessoas, o sonho da América como terra dos livres e lar dos bravos”.
O discurso composto de frases já repetidas na campanha pelos direitos civis em cidades de diversos Estados manteve certo ritmo, até que a cantora Mahalia Jackson, entre a multidão próxima do palco, gritou a King: Tell them about the Dream, Martin (Conte-lhes sobre o sonho, Martin). Nesse momento, o orador é tomado pelo espírito profético de bom pregador, levando as pessoas à emoção e à participação.
Acostumado às celebrações longas, com discursos enfáticos, grandes corais e intervenções efusivas dos que tinham seu único espaço de expressão nas igrejas, King conseguia fazer a multidão sentir-se plena de Deus (en-Theós-mós). A Escritura interpretada com fervor e vida, ligando os tempos bíblicos à luta pela cidadania, roubava a legitimidade de protestantes brancos e fundamentalistas, com seu racismo de dois mecanismos, o psíquico de autojustificação, e o ideológico, de subjugação das pessoas negras.
Diferentemente de Malcolm X, Luther King descobriu que a associação da luta pela cidadania, a força da cultura negra e luta por espaço e respeito eram capazes de levar milhares de homens e mulheres às ruas, ao ponto de sensibilizar o presidente Robert Kennedy, que espalhou dezenas de soldados na Universidade do Mississipi para que o primeiro negro lá pudesse estudar. E que inspiram hoje a política de cotas do Governo Federal brasileiro.
Após um governo desastroso, os EUA com milhares de militares mortos em duas guerras, centenas de desabrigados e esquecidos em New Orleans, uma monumental crise econômica e um presidente cuja saída provocou rara unanimidade de sentimentos entre os norte-americanos e os demais povos do planeta, a eleição de Barack Obama foi o desfecho. No discurso de Chicago, em 5 de novembro de 2008, ele lembrou Ann Nixon Cooper, sua eleitora de 106 anos, que esteve “nos ônibus de Montgomery, nas mangueiras de irrigação em Birmingham, na ponte em Selma e com um pregador de Atlanta que disse: ‘Superaremos’". E a multidão respondeu em uníssono Yes, we can! (Sim, nós podemos!).
Nesse momento, o sonho de King tornou-se história. 45 anos depois.
* Teólogo e jornalista, doutorando em teologia na PUC-Rio.
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