domingo, 30 de agosto de 2009

O senhor do anel

Moacyr Scliar*

Olhem só a notícia que apareceu, dias atrás, aqui em ZH. Na Nova Zelândia, o ambientalista Aleki Taumoepeau (o pessoal lá tem nomes complicados, mas, provavelmente, devem dizer a mesma coisa de nós) trabalhava no porto de Wellington quando sua aliança de casado caiu no mar, que ali tem três metros de profundidade. Aleki marcou o lugar com uma âncora e prometeu à mulher que encontraria a aliança, o que de fato aconteceu três meses depois, e valeu-lhe, entre os amigos, o apelido de Senhor do Anel, uma referência ao livro e ao filme O Senhor dos Anéis.
Isso nos faz pensar no simbolismo do anel de casamento. É uma coisa que vem de longe, dos antigos hindus e dos antigos gregos. Os romanos introduziram o hábito de colocá-lo no anular do qual, acreditava-se, partia uma veia (veia d’amore, em italiano) que estaria diretamente ligada ao coração.
Bota simbolismo nisso. Um simbolismo que se ampliou quando a Igreja adotou a aliança como um símbolo de união e fidelidade.

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A própria forma da aliança explica esse simbolismo. Pode ser considerada uma algema em miniatura, como dizem os inimigos (não poucos) do casamento, mas mais provavelmente é vista como o elo de uma corrente da qual fazem parte o noivo e a noiva, o marido e a mulher. Mais do que isso, por causa de sua forma circular, remete-nos ao ciclo da vida, no qual a união entre dois seres é um momento importante.
Será que essas coisas explicam a determinação de Aleki? Será que ele valorizava tanto assim seu casamento? Ou será que se tratava apenas do desafio, de encontrar a aliança de qualquer maneira para mostrar à esposa e aos amigos sua determinação? Ou ainda, quem sabe ele era movido pelo fato de que a aliança, afinal, é um objeto de valor, confeccionada em ouro? Ou, finalmente, será que é uma soma de tudo isso, e de mais alguns fatores que desconhecemos?

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Questão complexa, como complexo é o casamento. O que aproxima um homem de uma mulher levando-os a uma união que, teoricamente ao menos, deveria ser duradoura? O amor? Mas existem casamentos sem amor. Existem casamentos que resultam de interesses, de pressão familiar e que, ainda assim, funcionam. E mesmo que fosse o amor – é só o amor? Não é o hábito, o costume, a cumplicidade?
Há uma outra questão aí, muito mais embaraçosa. Por que uma pessoa perde a aliança? Por acidente, por descuido? Será que é só por isso? Ou será que o acidente, o descuido, são expressões de um impulso inconsciente, como o lapso freudiano? A mulher que perde a aliança está condenada a perder o marido, diz-se na Escócia. Condenada a perder o marido – ou pronta para livrar-se do marido? Será que perder a aliança (este “perder” podendo significar “jogar fora”) não revela já uma oculta predisposição para acabar com o casamento?

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O Aleki poderia não ter perdido a aliança – se ele não usasse aliança. Muitos casais fazem isso.
Podem até ter a aliança, mas guardam-na em casa. De novo, pode-se perguntar o que leva casados a não usarem a aliança. A explicação que eu prefiro é aquela que remete à maturidade: não precisamos de nenhum símbolo material, se estamos seguros de nossos sentimentos, de nossas opções, sem que seja necessário demonstrá-lo publicamente. E sem que seja preciso mergulhar no mar em busca de alianças perdidas.

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