Joaquim Motta*
Ao se divulgar a intimidade de profissionais acusados de conduta íntima indevida ou delituosa, o sexo volta a circular pelo universo da criminalidade e da moral religiosa. Notícias sobre pedofilia, implicando sacerdotes com crianças e as de abuso envolvendo médicos com pacientes são as que provocam maior impacto midiático. Nem todos os casos são denunciados, lamentavelmente. Estupros às vezes aparecem devido aos seus efeitos de gravidez e à polêmica da liberação do abortamento. Felizmente raro em nosso cotidiano nacional, o tópico dos assassinos sexuais em série fica mais globalizado.
Reflitamos sobre a complexa condição ética e/ou moral do sexo.
No polo mais grave, temos o sadismo assassino do matador sexual serial. Trata-se de violação que trucida qualquer proposta ética e limite moral. É crime a ser condenado e punido exemplarmente.
Um estuprador, ainda que não contumaz e que tenha exercido seu poder de perversão sobre um adulto, também deve ter um destino semelhante, especialmente quando é um profissional de saúde que invade pacientes.
A pedofilia é praticada por um abusador de grande perversidade, o qual usa de sua maturidade para subjugar um menor. Conforme o tipo de invasão que exerce, precisa de condenação e punição exponenciais. Quando o abuso pedófilo afronta os cuidados anímicos, há uma exacerbação ignóbil que deveria ser reavaliada para a adequada proporção patológica e penal. Um sacerdote apalpando uma criança é aviltante.
No contexto do relacionamento profissional que envolve pessoas adultas empenhadas em solucionar os problemas de seus interesses, muda a discussão. Mesmo que estejam lidando com aspectos espirituais, adultos que extrapolem as barreiras morais da libido podem não merecer críticas.
Pastores envolvidos em encontros íntimos consensuais com membros das suas paróquias não são raros. Nos EUA, a bispa episcopal Barbara Harris, da Igreja Anglicana, referiu que isso ocorre com “quatorze a vinte e cinco por cento” dos clérigos.
O desejo sexual nos escritórios de advogados, consultores, nos consultórios de médicos, odontólogos, terapeutas, é comum. A natureza humana não é anulada pelo trabalho.
A psicóloga Susan Baur informa que 3/4 dos psicoterapeutas admitem ter sentido atração por pacientes. O empolgamento é importante em função de como se decide agir. Será que um cuidador erotizado pode fazer bem para seu assistido? Se ele lidar satisfatoriamente com a própria sexualidade, escolherá não manifestar os seus sentimentos, administrando e aproveitando o que se chama tecnicamente de contratransferência, ou interromper a terapia, indicar outro colega, enquanto convida o paciente para uma relação pessoal.
É fundamental que isso se defina o mais brevemente possível. Uma mulher de 33 anos, tratando-se há dois com um terapeuta renomado, entrou em forte crise emocional quando ouviu dele que teriam que parar, pois se apaixonara por ela desde o início — o dinheiro que ela havia aplicado no tratamento ele devolvia atualizado, agora só queria ser namorado dela! O mau emprego do poder discricionário é sentido pela vítima como uma manipulação terrível, excesso inaceitável, uma grande traição.
Uma revisão conceitual sobre o triângulo amoroso e a famigerada infidelidade vem se processando na sociedade. Há 4 anos, no Brasil, o adultério não é mais considerado crime. Para as religiões, no entanto, segue como pecado. Na expectativa hedonista radical, uma vez livre da pecha de criminoso, falta que eliminemos a de pecaminoso.
A culpabilização do sexo não se contenta com o âmbito triangular. Seitas e grupos conservadores combatem a liberdade erótica, a diversidade sexual, as alternativas. Há minorias verdadeiramente criminosas que exercem esquemas violentos de repressão, outras que cometem atrocidades contra homossexuais.
A rigor, não existe criminoso “sexual”: o problema é do caráter da pessoa e não do sexo. Este deve ser lídimo, consensual, precavido e prazeroso, servindo ao amor, apartado do crime e do pecado.
*Joaquim Zailton Bueno Motta é psiquiatra e sexólogo.
Correio Popular, 29/08/2009
http://cpopular.cosmo.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1650003&area=2190&authent=188F803109C882201DB8A3315ABAB2
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