L. F. Verissimo
Dizem que na I Guerra Mundial, durante as tréguas de Natal, de uma trincheira se podiam ouvir as comemorações na trincheira inimiga. Nos dois lados, cantavam hinos cristãos e havia sermões e imprecações a Deus, que era o mesmo para os dois lados, mesmo que as religiões não fossem as mesmas. Os capelães militares sempre tiveram a dura tarefa de convencer as tropas e a si próprios de que o Deus a que rezavam lhes daria a vitória. Já que não podiam dizer que cada lado tinha o seu Deus e o deles era mais forte, inferiam que o Deus invocado era único mas tinha seus gostos, e os preferia. Deus torcia por eles, não importava o que dissessem os capelães do inimigo.
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Não existem capelães com o mesmo problema no futebol, mas está implícita em toda mobilização de fé religiosa antes do jogo um pedido para que Deus favoreça um lado e não ouça o outro. E em todo agradecimento para o alto depois de um gol ou de uma vitória, e em toda frase de exaltação a Jesus impressa numa camiseta, está implícito um reconhecimento da parcialidade de Deus. Deus deveria ser banido dos campos de batalha para não se comprometer com a pior das atividades humanas, agravada pela hipocrisia, e proibido de entrar em campo de futebol para não arriscar sua reputação de isenção e fair-play. A única função de Deus num campo de futebol deve ser a de evitar a perna quebrada e o mal súbito. E, está bem, dar uma fiscalizada no juiz.
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Nada contra a fé de cada um. Acreditar é bom e é bonito, e é claro que a maioria dos jogadores pede e agradece a Deus não vitórias, mas sua integridade física e seu sucesso pessoal, seja jogando no Palmeiras ou no Já Vai Tarde F. C. Mas os jogos da Seleção Brasileira têm se transformado em verdadeiros bazares de ostentação religiosa. Que algumas das marcas de fé exibidas são de picaretagens notórias nem vem ao caso. As vitórias são publicamente creditadas a Jesus, e sua bênção vitoriosa agradecida com fervor. Imagino o constrangimento de jogadores e membros da comissão técnica que não são crentes, ou pelo menos crentes a esse ponto, obrigados a participar daquele círculo de oração de graças, ajoelhados, que tem encerrado as participações triunfais do Brasil em torneios internacionais. Por coerência, o mesmo círculo deveria ser formado nos casos de insucessos brasileiros, para cobrar de Deus a mudança de trincheira.
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