Por Conceição Freitas
Por que escrevo crônicas é a pergunta que mais ouço de estudantes de jornalismo e a que menos sei responder. Posso tentar — escrevendo. Eu não sabia que podia escrever crônicas até que surgiu a chance de juntar letrinhas neste pé de página. Aprendi escrevendo, até onde deu pra aprender.
Escrevo crônica porque gosto de escrever. Não sei exatamente por que gosto de escrever, como não sei por que gosto de ovo frito, lima-da-Pérsia, banana amassada com leite Ninho, carne moída no pão francês. Gosto, e isso me basta. Se me fosse permitido descobrir a razão do meu gostar, talvez gostasse menos.
Escrevo por uma incompatibilidade crônica com a palavra falada. Se tento capturar uma palavra ou um pensamento com a voz, eles fogem de mim como um morcego foge da luz. Mas se estou distraída, elas se aproximam e vibram no ar, para meu agradecido espanto.
Dizem que Otto Lara Resende era uma frasista compulsivo. Quando alguém cruzava com ele num cafezinho, lamentava não ter lápis e papel para anotar as tiradas do cronista, um grande cronista, não custa lembrar. Otto se dava muito bem com a palavra oral e com a palavra escrita. Elas não tinham cerimônia com ele. Do jeito que viesse, elas topavam.
Mas eu não sou Otto. Meu relacionamento com a palavra falada não tem muito futuro. Nossa afinidade é pouca, ainda que até agora tenhamos conseguido acordos razoáveis. Ela está sempre disponível para uso instrumental — bom-dia, até logo, quero, não quero, vou, não vou, posso, não posso, gosto, não gosto. (Mas não raras vezes esqueço o nome de um amigo diante dele, o que é uma catástrofe.)
Como já sei da minha falta de jeito com a palavra oral e de como as palavras escapolem de mim quando mais preciso delas, aprendi a fingir que não estou nem aí pra elas. É quando elas se aproximam e, de vez em quando, me surpreendem dizendo por mim coisas que nem pensei em dizer. O que é um risco, porque a palavra oral, pelo menos a que passa por mim, é indomável e não sabe disfarçar, desconversar e se atrapalha toda quando se propõe a mentir.
Por tudo isso, se possível fosse (e até já é), carregaria um teclado para todo e qualquer canto e faria meus contatos com os outros humanos dedilhando palavras ao vento. As palavras se aproximam de mim sem muita dificuldade quando tento alcançá-las com os dedos.
Ao fim e ao cabo, não sei por que escrevo. Mas é escrevendo que tudo fica melhor.
*Colunista do Correio Braziliense - 06/08/2009
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