segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Arte, Apocalipse e futuro

Leonardo Padura*

Quando, em 1982, Ridley Scott filmou seu futurista Blade Runner e mostrou uma Los Angeles devastada pela chuva ácida, fechada em si mesma e obscurecida por nuvens de gases, aquele futuro (exatamente novembro de 2019) parecia tão distante e poético que poucos se atreveriam a considerá-lo possível. Agora, a dez anos dessa data da fantasia, o mundo se deteriora tanto que as imagens de Blade Runner nos assombram menos e nos causam mais sobressaltos, pois sabemos o quanto estamos perto de vivermos em um planeta semelhante ao criado pelo filme..
Durante anos, os cultores da ficção científica insistiram em apresentar o futuro como um estágio catastrófico ao qual o homem chegava por intervenções externas (os aliens ou os meteroritos), mas também, muitas vezes, por um evento nuclear ou pela degradação paulatina do ambiente, à qual os seres humanos se entregavam sem limites e pouca consciência. Desde as origens da literatura e da ciência, as catástrofes que fariam desaparecer a civilização e inclusive o mundo são uma das obsessões humanas.

O livro mais famoso da cultura ocidental, a Bíblia, termina precisamente com uma revelação, o Apocalipse, escrita por São João, na qual o visionário prevê uma arrasadora batalha, originada por forças celestiais e destinada a fazer desaparecer uma humanidade pervertida e condenada, para dar lugar a uma nova. Outra cultura antiga, os maias mesoamericanos, apoiados em suas observações astrológicas, profetizaram também um fim dos tempos, mas não como castigo divino (embora alguns futurólogos incluam esse fator), mas como resultado de uma devastadora conjunção cósmica que mataria o Sol. Há uma data, ao virar a esquina, que marca a ocorrência deste evento: 22 de dezembro de 2012.

Mas a arte contemporânea insiste desesperadamente no peso das atitudes e decisões humanas como detonantes das catástrofes que nos afetam. Porque se para os antigos profetas e apóstolos os comportamentos éticos tiveram maior peso específico na busca de razões para um castigo, os humanos de hoje (sem descartar essa evidência indiscutível, pois no fundo se trata de um problema ético), também têm a ciência como fonte capaz de sustentar a certeza: o mundo se encaminha para uma catástrofe e o homem moderno - que nos últimos 200 anos contaminou, desertificou, envenenou o planeta e separou os átomos para converter sua energia em armas ofensivas - é o único responsável pelo que se avizinha.

Uma vez li que Confúcio advertira que o homem é mais estúpido quando conhece a solução de seus problemas e não a coloca em prática. Hoje, a estupidez humana parece ter tocado limites que jamais poderia imaginar o filosofo chinês em seus longínquos tempos. Dezessete anos transcorridos desde que, na Cúpula da Terra do Rio de Janeiro, se ergueram vozes de alarme: ou mudávamos ou morríamos. Doze transcorreram desde que o vacilante Protocolo de Kyoto sobre mudança climática foi apresentado à comunidade internacional sem que os mais ricos e poderosos tenham empreendido as ações quase draconianas que a natureza exige.

O problema é conhecido, as soluções também, mas de que tamanho são a estupidez e a indolência?

Certo é que no plano dos governos e das instituições científicas, inclusive à altura dos cidadãos comuns, estes anos criaram uma consciência dos riscos que corre a Terra e sua espécie dominante. Além disso, evidências dos efeitos que já estão sendo produzidos pelo aquecimento global - furacões mais fortes, degelos ameaçadores, extinção de centenas de espécies animais e vegetais e mutações de muitas outras, doenças emergentes ou potenciadas, ilhas que vão sendo devoradas pelo mar - são comentados a cada dia e sofridos como parte de nossa realidade degradada.

Contudo, se faz o suficiente para deter a deterioração do meio ambiente? A busca de riquezas é um ímã mais poderoso do que as advertências do desastre do qual nos aproximamos, com ou sem profecias bíblicas ou maias? Qual é o limite dessa estupidez humana que não permite deter agora mesmo sua autodestruição?

A conferência mundial sobre aquecimento global, que em dezembro deste ano acontecerá em Copenhague, tem a dramática marca do ponto de não retorno. Das ações concretas que a partir dali forem aplicadas pelos governos, tanto de países ricos quanto subdesenvolvidos - nos quais a fome e a pobreza crescem em proporção geométrica, também pela deterioração do meio ambiente -, dependem que as profecias antigas e o olhar artístico futurista não se cumpram do modo como foram anunciados.

Se não mudarmos, Blade Runner pode acabar sendo projetado na tela gigante que o céu de nosso planeta condenado oferecerá às suas imagens apocalípticas.

* O autor é escritor e jornalista cubano. Suas novelas foram traduzidas para uma dezena de idiomas e sua obra mais recente, La Neblina del Ayer”, ganhou o Prêmio Hammett de melhor novela policial em espanhol de 2005.
*Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
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