O psicólogo norte-americano Howard Gardner*,
autor da teoria das inteligências múltiplas,
referência internacional na área da Educação,
diz que as pessoas deveriam
ser ensinadas a partir de suas habilidades inatas e
não a partir de
conceitos escolares generalizantes.
Há sete tipos de inteligências, escreveu Gardner: linguística, musical, lógico-matemática, espacial, corporal ou cinestésica, interpessoal e intrapessoal. A teoria ganhou o mundo e posteriormente foi atualizada, incorporando duas novas vertentes – as inteligências naturalista e existencialista.
Recentemente, sua teoria foi estudada por pensadores de todo o planeta, que a aplicaram a diferentes contextos em um projeto que resultou em Inteligências Múltiplas ao Redor do Mundo, livro lançado nos EUA e que ainda está sendo traduzido para o português.
Recentemente, sua teoria foi estudada por pensadores de todo o planeta, que a aplicaram a diferentes contextos em um projeto que resultou em Inteligências Múltiplas ao Redor do Mundo, livro lançado nos EUA e que ainda está sendo traduzido para o português.
É sobre a experiência de publicação desse volume que Gardner inicia a entrevista a seguir, concedida por e-mail.
Cultura – Seu mais novo livro, que permanece inédito no Brasil, intitula-se Inteligências Múltiplas ao Redor do Mundo. O que o senhor aprendeu pesquisando sobre o uso de suas teorias sobre a inteligência em contextos e países diferentes?
Howard Gardner – Desenvolvi a teoria das inteligências múltiplas como um estudioso da Psicologia. Fiquei surpreso positivamente com o interesse que meus estudos provocaram em educadores em todo o mundo. O recém-publicado livro a que você se refere e que, posso adiantar, já está sendo traduzido para o português, inclui textos de autores dos cinco continentes. Considero o resultado deslumbrante. Porque, em cada país, a teoria vai ao encontro de necessidades locais diferenciadas. Ela se desdobra. Por exemplo: no Japão e na Coreia, remete às mais velhas, talvez esquecidas, tradições culturais. Na América Latina, soa como um empreendimento democrático. Já na China, aprendi com um jornalista: “Nos Estados Unidos a teoria das múltiplas inteligências se debruça sobre as habilidades especiais de cada criança individualmente. Em território chinês, temos estabelecido como um dever nosso fazer cada criança desenvolver oito habilidades específicas diferentes”.
Cultura – No Brasil, a educação é bastante problemática, inclusive em níveis mais básicos, atingindo e inclusive comprometendo a formação das crianças no país. Ainda que o senhor não tenha informações muito detalhadas sobre o contexto brasileiro, eu gostaria que, por favor, respondesse de maneira genérica: o quanto uma educação básica problemática afeta uma criança pelo restante de sua vida?
Gardner – Antes do século 20, havia muitos empregos, especialmente em territórios rurais, que não tinham como pré-requisito qualquer tipo de educação formal. Não era preciso ter qualquer tipo de alfabetização para desempenhar determinadas funções. No século 20, a escola básica passou a ser suficiente para o trabalho industrial e em alguns setores de prestação de serviços. Hoje, no século 21, a regra, genericamente, é a seguinte: faz-se necessário para um indivíduo ter alfabetização, uma educação minimamente formal, um conhecimento minimamente disciplinado e, pelo menos, uma área de conhecimento específico, técnico. Pelo menos uma área de expertise. Caso contrário, esse indivíduo tem tudo para ser simplesmente um desempregado com imensas dificuldades de ter qualquer futuro.
Cultura – Sua teoria das inteligências múltiplas é descritiva, mas ao mesmo tempo ajuda a apontar soluções para a realidade descrita. O que motivou e continua motivando o senhor a desenvolver esse trabalho?
Gardner – Como eu já disse, comecei a desenvolver esse trabalho como psicólogo. Meu “gol” foi criticar que a visão da psicologia acerca do conceito de “inteligência” era muito limitada. Transposta essa limitação, a teoria despertou o interesse dos educadores. A partir daí, comecei a me envolver muito mais com a educação, sobretudo com a educação infantil, que se presta como base para os mais diversos tipos de mudanças. A teoria das inteligências múltiplas espalha a esperança. Ela indica que é possível individualizar a educação básica, no sentido de que os indivíduos devem ser ensinados a partir de suas habilidades inatas, e não a partir de conceitos escolares generalizantes. Com o acesso à informática, hoje também podemos pensar que é possível para qualquer pessoa ter uma educação individualizada, coisa que anteriormente só era possível para famílias financeiramente avantajadas, que tinham condições de, por exemplo, pagar um tutor a suas crianças. Mas essas ideias ainda precisam ser mais difundidas. A evolução da educação é progressiva, sempre. É nisso que sigo trabalhando.
Cultura – Mais de 20 anos após a publicação da teoria, o que o senhor acha que ainda é possível descobrir a respeito de inteligências múltiplas e por quais caminhos deve-se andar para fazê-la avançar ainda mais?
Gardner – A teoria foi originalmente concebida com base no conhecimento do cérebro que tínhamos na primeira metade dos anos 1980. Como a neurociência cresceu muito de lá para cá, e ainda segue crescendo – assim como a genética, cujo crescimento talvez seja ainda mais dramático –, creio que é factível pensarmos em seguir descobrindo coisas novas sobre as inteligências múltiplas. Essas descobertas vão sem dúvida resultar em revisões da teoria, que podem surgir na direção do surgimento de novas inteligências ou na direção de alguma reconfiguração das inteligências já apresentadas. Os experimentos educacionais descritos nesse novo livro também podem indicar a necessidade de algumas revisões, dependendo de onde as pesquisas que forem postas em prática, daqui por diante, nos levarem. Por último: as culturas têm mudado, principalmente por força da globalização, das mídias digitais, das avenidas de comunicação rápida, e isso certamente nos dará novas luzes sobre como as inteligências trabalharão juntas e sozinhas nos tempos que virão.
Cultura – A publicação da teoria das inteligências múltiplas teve grande impacto e a tornou muito popular. Uma consequência natural disso é o surgimento de subteorias, digamos assim, menos significativas científica e intelectualmente – às vezes vestindo a máscara da chamada literatura de autoajuda. Isso o incomoda?
Gardner – Em princípio, não tenho objeções à literatura de autoajuda. Mas prefiro acreditar que ela não leve à teoria das inteligências múltiplas, ou que a teoria não tenha levado a ela – a não ser que o autor responsável por essa eventual relação tenha estudado as inteligências múltiplas de verdade. É claro: não tenho como controlar esse processo. E estou preparado para morder minha língua. Já houve casos em que a teoria teve um uso que considerei absolutamente ofensivo e mal-intencionado. Foi na Austrália. Algum trabalho científico desenvolvido por lá listou todos os grupos raciais e étnicos, relacionando as inteligências que teriam relação com eles. Fiquei chocado com esse absurdo, tanto que denunciei esse trabalho na televisão. Felizmente, logo a pesquisa foi cancelada. É preciso estar atento e fazer o trabalho andar para a frente, e não para trás.
*Filho de um casal de judeus que fugiu para os Estados Unidos para escapar do Holocausto, Gardner nasceu na Pensilvânia, tem 66 anos e é professor nas Universidades de Harvard e Boston. Tornou-se célebre por sua revolucionária teoria das múltiplas inteligências, publicada em meados dos anos 1980 no livro Estruturas da Mente. Amparado em pesquisas, à época recentes, que apontavam que as habilidades cognitivas das pessoas são imensamente diferenciadas entre cada indivíduo, o autor questionou os conceitos mais tradicionais a respeito da inteligência humana. Levantou dúvidas sobre a possibilidade de se medir a capacidade intelectual por meio de testes como o de QI e sugeriu que nosso repertório de habilidades não é restrito nem deve ser medido exclusivamente a partir do sucesso escolar
A reportagem é de DANIEL FEIX, ZH/Cultura - 15/08/2009
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