segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Deixar o ódio para trás

Pamela Bloom*

O recente turbilhão de emoções desencadeado pela libertação pela Escócia do condenado pelo atentado de Lockerbie lançou luz sobre um problema psicológico comum: como superar a tristeza e a raiva?
As perdas são inevitáveis na vida. Mas, quando a plataforma em que acontecem é muito grande —um ataque terrorista como o de 11 de Setembro, uma traição financeira como a de Bernie Madoff, o colapso da justiça social, como no Iraque, ou simplesmente um divórcio litigioso—, a ira e o ressentimento que sobram podem ser mais nocivos que o próprio fato.
Existe alguma maneira de nos recuperarmos de traumas extremos, de forma a deixar a dor para trás e reiniciar nossas vidas? Muitas das histórias que reuni no livro “Buddhist Acts of Compassion” (Atos de compaixão budistas) apontam para uma mudança de perspectiva que pode transformar a maneira como lidamos com questões como essas.
Existe no budismo um slogan que faz referência direta a esses momentos: “Assim como eu”. Assim como eu, outros sofrem. Assim como eu, outros desejam os fundamentos da felicidade.É claro que é dolorosamente difícil para uma mãe enlutada enxergar qualquer semelhança entre ela mesma e o assassino de seu filho. Mas o dalai-lama exilado, ele próprio vítima de perseguição, não fez tais distinções durante sua primeira visita a Auschwitz.
Sem palavras diante das pilhas de sapatos gastos deixados pelas vítimas do campo de extermínio, escreveu: “Parei e orei —profundamente comovido tanto pelas vítimas quanto pelos responsáveis por essa calamidade... E, ciente de que, assim como todos nós possuímos a capacidade de agir com altruísmo, movidos pela preocupação com o bem-estar dos outros, todos nós possuímos o potencial de sermos assassinos e torturadores, jurei fazer tudo o que eu pudesse para assegurar que nada como isso jamais se repita”.
Aproximar-se de um sentimento como esse, próprio de um santo, pode parecer fora de nosso alcance, mas os ensinamentos do budismo discordam. Quando abrimos mão de nosso senso pessoal do eu —aquele que afirma “eu estou certo, você está errado”—, o que surge naturalmente no lugar é um coração aberto que não exclui ninguém, nem mesmo aquele que nos persegue. Os budistas dizem que esse coração é que é nossa verdadeira natureza, e não aquele que segrega ou busca a vingança.
Para alcançar esse estado de espírito, pode-se começar pelo pequeno. Uma oração para principiantes no budismo nos encoraja a desejar a felicidade a todos os seres, não apenas àqueles de quem gostamos. Se isso parece impossível, comece simplesmente estendendo sua boa vontade a você mesmo. Um canto budista secular diz: “Que eu seja feliz. Que eu tenha paz. Que eu fique livre de sofrimento”. Com o tempo, você estende esse desejo às pessoas que ama e, finalmente, às que lhe são insuportáveis. Imagine rivais seculares fazendo isso e rompendo o ciclo de vingança.

Ensinamentos budistas pregam compaixão

Quando o sofrimento parece insuportável, o budismo sugere que você dedique sua dor, para que todos os que estiverem sofrendo da mesma maneira possam encontrar alívio. É uma forma de meditação que tem ajudado um amigo meu a enfrentar a Aids. E pode ajudar vítimas do terrorismo a encontrarem um vínculo comum, que é a cura.
Se você estiver pensando que essa abordagem não passa de um jogo mental, repense. São essas mesmas práticas que vêm ajudando monges e monjas budistas tibetanos a suportar anos de tortura.
Como disse certa vez o lama Zopa Rinpoche, mestre de meditação tibetana: “Enquanto você não mudar sua mente, sempre haverá um inimigo para lhe fazer mal”.

*Pamela Bloom é autora de “The Power of Compassion: Stories that Touch the Heart, Heal the Soul and Change the World”, a ser publicado em 2010. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/ny3108200904.htm -Folha de São Paulo The New York Times -31/08/2009

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