José Romero Pereira Júnior*
A presente controvérsia envolvendo Colômbia, Venezuela e a presença de militares norte-americanos em território colombiano, evidencia, uma vez mais, uma das principais dificuldades em aprofundar a integração regional no continente americano, em especial na América do Sul. De fato, no que toca à integração regional na América, uma das características mais marcantes da primeira década do século 21 é a coexistência de três visões distintas de América: uma visão pró-estadunidense; uma visão bolivariana; e uma visão autonomista. Na América do Sul, Colômbia, Venezuela e Brasil representam, respectivamente, cada uma das três visões.
Os simpatizantes da visão pró-estadunidense buscam colher benefícios da aproximação com o gigante do norte. No campo político-militar, isso tem significado receber apoio em projetos comuns, desde que presentes na agenda prioritária de Washington e sujeitos às condições determinadas na capital norte-americana (tal como no Plano Colômbia, voltado ao combate ao narcotráfico). No campo comercial, as relações com os EUA têm sido pautadas por uma agenda essencialmente livre-cambista, em que se trocam benefícios associados ao potencial livre de acesso ao gigantesco mercado norte-americano por concessões nas mais variadas áreas (de tarifas alfandegárias a padrões trabalhistas). Para os críticos, os tratados de livre comércio (TLCs) oriundos desse tipo de negociações são, na melhor das hipóteses, instrumentos desiguais de associação que tendem a consolidar relações assimétricas entre os Estados Unidos e seus parceiros.
Do outro lado do espectro político sul-americano, o projeto bolivariano encabeçado pela Venezuela de Hugo Chávez é marcado por grande voluntarismo e forte retórica antiestadunidense. No campo político-militar, o bolivarianismo recorre frequentemente à imagem imperial para detratar a presença norte-americana na região, apelando ao antiamericanismo difuso na América do Sul, diminuindo a margem para o diálogo e recaindo, por vezes, em confrontação vazia de sentido. Na área econômica e comercial, promove o questionável socialismo do século 21 e tende a associar linearmente as noções de cooperação e vontade política, desconsiderando, por vezes, interesses e perspectivas concretas.
Finalmente, em posição intermediária, tem se esforçado a diplomacia brasileira em difundir uma visão autonomista de América do Sul, que busca criar espaços de oportunidade para o aprofundamento efetivo de esquemas de integração próprios da América Latina, sem, contudo, ceder à vazia retórica anti-imperial. No campo econômico, contribuiu para o bloqueio das negociações em torno da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), buscando ampliar o alcance do Mercosul, transformado em base para a criação da União de Nações Sul-americanas (Unasul). No campo político-militar, soube costurar, com trabalho árduo e delicado, não apenas a Unasul, mas o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). Nele, congregam-se elementos de coordenação e consulta na área de segurança e a busca por um desenvolvimento industrial e tecnológico comum sem a presença de forças externas à América do Sul.
A fórmula do CDS seria ideal, não fosse a existência dessas três distintas — e concorrentes — visões de América. Embora voltem a tomar corpo na atual pendenga, as três já se haviam mostrado claramente em outros episódios, como no evento do ataque colombiano a solo equatoriano em março de 2008, quando quase inviabilizaram a própria criação do CDS. À diplomacia brasileira, comprometida com o sucesso do CDS, apresenta-se o desafio de uma vez mais aproximar posições, caso deseje ver consolidado o projeto autonomista de integração regional.
*Professor de relações internacionais da Universidade Católica de Brasília.Jornal Correio Braziliense, online, 03/08/209
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