terça-feira, 14 de setembro de 2010

Adélia Prado - Entrevista

Toda poesia de ser mulher


Escritora e poeta, Adélia Prado, 73, é mineira, de Divinópolis. Sua obra recria com linguagem despojada, direta e frequentemente lírica, a vida e as preocupações daqueles que vivem no interior de Minas.
Adélia passou a infância e a juventude de forma simples. Depois de estudar com padres franciscanos e formar-se em Filosofia, ingressa no curso Normal, hoje, Magistério. Abandona o projeto de dar aulas para dedicar-se ao casamento e aos cinco filhos, vivenciando, uma história de equilíbrio entre o feminismo e o feminino.
No início dos anos 70, publica os primeiros poemas em jornais de sua cidade e de Belo Horizonte. Contava com a admiração de Carlos Drummond de Andrade, que avaliou os versos dela como "fenomenais". A estreia no mercado editorial foi em 1976, com Bagagem, livro que chama a atenção da crítica pela originalidade e estilo. Em 1978 escreve O Coração Disparado, com o qual conquista o Prêmio Jabuti de Literatura, conferido pela Câmara Brasileira do Livro, de São Paulo. Hoje tem dezenas de obras publicadas, algumas traduzidas para o espanhol e o inglês.
Depois do livro O Homem da Mão Seca, lançado em 1994, Adélia levou cinco anos para publicar uma nova obra. Logo depois, em entrevistas, afirmou ter sido “um período de desolação” e explicou que são estados psíquicos que acontecem, trazendo o bloqueio, a aridez, o deserto. Passado o silêncio poético Adélia Prado publica a coletânea de poemas Oráculos de Maio e a prosa curta Manuscritos de Felipa.
A admiração pela obra da escritora expandiu-se para além dos corações e do universo dos leitores para se tornar também tema de estudos no meio acadêmico, com destaque para as dissertações de mestrado de Isabel de Andrade Moliter , A poesia e o sagrado: traços do estilo de Adélia Prado, USP , 2002; de Cecilia Canalle, Fundamentos filosóficos da poética de Adelia Prado USP, 1996 e Epifanias do real: o olhar lírico de Adélia Prado - UEFS, 2004, de autoria de Claudilis da Silva Oliveira. Rita Olivieri apresentou tese de pós-doutorado com o tema Poesia e oralidade na obra de Adélia Prado.
Em entrevista ao JORNAL DE OPINIÃO Adélia Prado é objetiva, sucinta, pois “não gosta de subestimar a inteligência dos leitores” com explicações em excesso. Ela afirma que a obra é sempre maior do que o poeta e apresenta ser possuidora de espiritualidade plena, na qual ser cristã e fiel a Deus está acima de todas as coisas. Quanto à religiosidade, a escritora avalia que os novos elementos que integram a liturgia podem ser prejudiciais e afirma que faltam nas igrejas, silêncio e audição para a celebração do Mistério.

Léo Mendes

Que momento de Adélia Prado podemos perceber em A Duração do Dia, obra lançada este ano?
A obra, no caso a poesia, é maior do que o poeta. É impossível que, de uma forma ou de outra, o autor não esteja em seu livro. Só se pode escrever a partir de si mesmo e é por isso que a espiritualidade, os anseios e a rotina do dia a dia estão presentes.

A quais projetos tem se dedicado atualmente?
A nenhum especialmente, fora o radical e inadiável projeto de viver da melhor maneira possível.

Olhando para sua biografia, é possível perceber a transformação pela qual a senhora passou, tornando-se uma pessoa muito mais espiritualizada e próxima de Deus. Como foi esse processo?
Todos nascemos destinados à individuação. Tal processo supõe uma resposta à questão do transcendente, do espiritual. A transformação de qualquer um nasce no embate entre consciência e ética. É escolhendo, acertando e errando que caminhamos.

"Não tenho tempo algum,
porque ser feliz me consome"

Qual sua experiência de vida com a religião católica?
Descubro que deve ser plenamente cristã antes de ser católica.

O que a motivou a buscar de Deus?
Não tenho poderes para buscá-lo. É antes Ele quem me busca.

Como compreender que é o momento de estar ainda mais perto Dele?
A premência da voz que fala no coração e que se chama consciência.

Vários estudiosos e religiosos a citam como fonte de inspiração, utilizando seus poemas e experiências de vida com frequência. Imaginava que suas obras se tornariam referência espíritual?
Sempre acreditei que a experiência poética não exclui ninguém. Daí que não é dificil tocar as pessoas através da poesia.

Ter suas obras como instrumento de evangelização foi objetivo ou aconteceu como um processo natural?
Se eu buscasse a poesia como instrumento de evangelização estaria incorrendo num gravíssimo erro. Escrevo os poemas como eles pedem para ser escritos. Seu efeito, vamos conceder, evangelizador nas pessoas, é obra do Espírito Santo, não esquecendo de dizer que muitas pessoas os detestam.

Seu encantamento pela leituras bíblicas é pelo temor a Deus ou pelo conteúdo poético e estético?
O poder maravilhoso do texto bíblico é sua natureza poética. Numa linguagem comum a Revelação já teria se perdido. Deus sabe o que faz.

"A missa é um poema, não suporta efeite e intromissão.
É sempre nova, inaugural, perfeita, enxuta."

Novos elementos que foram incorporados à liturgia, com padres cantores, celebrações-show, também contribuíram para aumentar o número de fiéis. Como a senhora avalia essa transformação?
Não ensinemos ao Espírito Santo como devemos louvar a Deus. Não podemos poluir o que é perfeito com ruídos e acréscimos. Faltam em nossas igrejas silêncio e audição para a celebração de mistério tão grande. Missa-show, missa temática, efeitada, sem ritmo, não é exclusividade dos carismáticos como muitos avaliam, mas, estamos contaminados por equívocos novidadeiros. Isto esconde dos fiéis a suprema realidade poética de um Deus humanizaddo, Cristo que se entrega. A missa é um poema, não suporta efeite e intromissão. É sempre nova, inaugural, perfeita, enxuta. Sua liturgia, suas palavras, gestos, em seu teatro, é incrivelmente bela. Nasceu inspirada!

Acredita que Deus se manifesta da mesma maneira?
Sim, porque Ele é maior que sua própria Igreja, mas bem que podíamos facilitar-lhe o trabalho.

A midiatização e a mediação do sagrado afasta ou aproxíma o cristão de Deus?
Para mim, o que mais afasta em todo processo midiático dito evangelizador é sua evidente mercantilização.

Escritos adelianos:

"O sonho encheu a noite
Extravasou pro meu dia
Encheu minha vida
E é dele qu eu vou viver
Porque sonho não morrer.

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

                                Adélia Prado

 
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Matéria: Léo Mendes
Fonte: Jornal Online Edição 1109 - 14 a 19 de Setembro de 2010

Um comentário:

  1. Linda a matéria com Adélia, parabéns; ela um exemplo ímpar de mulher. Fiquei muito fascinado com suas poesias. Caio Reis,Itajuípe-ba

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