domingo, 5 de setembro de 2010

Descaminhos

RUBENS RICUPERO*


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Personalização do poder e abandono da alternância de governos afastam o país
da democracia genuína

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EXTRAVIAR-SE É sair do bom caminho, perder o rumo. A história, sempre rica em armadilhas, está desencaminhando o Brasil de duas formas. Primeiro, preferindo a via latino-americana da personalização do poder num chefe carismático em vez da construção republicana de governo impessoal, baseado nas leis e nas instituições. Segundo, no abandono da alternância no governo de visões complementares e na tentativa de se livrar dos contrapesos indispensáveis para equilibrar a concentração de força dos governantes.

O país se afasta nessas tendências do modelo provado das democracias genuínas e se aproxima da tradição de regimes personalistas que se eternizam de modo direto ou indireto. Ficamos mais longe de Mandela e George Washington, mais perto de Perón, Vargas e Chávez. Não vai dar certo, como não deu nesses casos.

O que faz de Mandela o único herói do nosso tempo não é só a grandeza moral de perdoar os algozes e promover a reconciliação. É também a sabedoria política de limitar-se a si próprio no governo, sabendo que o país preferia que ele mandasse até a morte.

Limitar-se não só na duração do poder no tempo, mas na sua dosagem, na renovação de pessoas e estilos, na limitação do poder excessivo de um só partido.

Maiorias produzidas por avalanchas eleitorais e alianças espúrias acabam em desastre porque a autossuficiência destrói a moderação e o equilíbrio, ao passo que os aliados impedem a mudança do status quo. Lula e o PT eram no início símbolos da luta por vida pública limpa e o fim do corporativismo sindical getulista. Hoje, em nome da governabilidade e da vitória eleitoral, tornaram-se aliados das forças que promovem a corrupção política e sindical.

Alguém acredita que a aliança com peemedebistas e sindicalistas de ficha suja realizará as reformas política e sindical para acabar com o que é a condição da sobrevivência dessas pessoas? Acaso será capaz de controlar os gastos de custeio do governo, estimulados pela mesma aliança? Sem essa redução, como elevar a poupança e investir na estrutura? É possível atrair capitais privados para tal fim com o método da candidata oficialista em Belo Monte e nas rodovias federais: impor condições tão duras às empresas qualificadas que o governo teve de subsidiar consórcios alternativos incompetentes?

O mérito de Lula foi de governar para os pobres num país de pobres. Suas armas, porém, as transferências de renda, entre elas a bolsa-família e a economia puxada pelo consumo, não se sustentam em médio prazo a não ser pela dependência de financiamento de fora. O deficit em conta corrente, produto do excesso de consumo, está projetado para chegar em 4,7% do PIB em poucos anos. O que garantirá o dinheiro estrangeiro nesse momento, o petróleo do pré-sal?

Seríamos então uma imensa Venezuela, um Estado rentista que sobrevive pela transferência da renda do petróleo. Nos BRICs, ficaríamos mais perto da Rússia (commodities, poder pessoal, corrupção) e mais longe da eficiência competitiva da China e da Índia. Se as pesquisas se confirmarem, é esse o país que sairá das urnas, não por culpa dos eleitores, mas por ser essa a lógica das forças da aliança oficial.
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Fonte: Folha online, 05/09/2010

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