sábado, 4 de setembro de 2010

Epitáfio de um jornal

NILSON SOUZA*


– Qual é o maior jornal do Brasil?

– Você já disse.

Desde que me formei em Jornalismo, no início da década de 70, ouvi muitas vezes este ingênuo jogo de palavras que servia para evidenciar uma inquestionável verdade. O JB, editado no Rio de Janeiro, era já naquela época o grande jornal do país. E não apenas porque vendia mais de 180 mil exemplares diariamente e chegava a 250 mil na sua edição dominical – números que causam inveja aos jornais de hoje. Era grande, o maior do Brasil, por sua linha editorial, por sua independência, por reunir uma verdadeira seleção brasileira de profissionais, por representar a vanguarda da mídia impressa. Foi a principal escola prática de jornalismo do país durante várias décadas.

Trabalhei no JB. Dava uma contribuição modesta, como repórter esportivo da sucursal de Porto Alegre, mas explodia de orgulho e de paixão pela minha profissão cada vez que identificava algumas linhas de minha autoria no mesmo jornalão que abrigava Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, João Saldanha e Clarice Lispector, entre outros monstros sagrados das letras nacionais.

Pelo JB, cobri a Copa do Mundo da Argentina. Numa ousadia para a época, o jornal incluiu na sua equipe de trabalho profissionais que atuavam fora do Rio de Janeiro. Naquele tempo, o Jornal do Brasil também encarava ditaduras e censuras. Numa noite gelada de Mar del Plata, João Saldanha me pediu para digitar no telex a nominata das freiras francesas desaparecidas durante o governo do general Videla – e a notícia desbancou o futebol da primeira página.

O JB sempre enfrentou com valentia o autoritarismo. Ficou na história do jornal, também, uma célebre cobertura sobre o golpe militar que derrubou Salvador Allende no Chile, em 1973. Os censores, que então habitavam as redações dos jornais brasileiros, ordenaram ao JB que não abrisse manchetes e nem fotos de capa sobre o assunto. O então diretor de Redação, Alberto Dines, encontrou uma maneira criativa de driblar a censura: fez a primeira página sem título algum, sem foto alguma, mas toda ela preenchida por uma única notícia, relatando em detalhes o bombardeio sobre o palácio de La Moneda e a morte do presidente. Chamou mais atenção do que uma manchete gigantesca.

Assim era o JB, cuja última edição impressa foi para as bancas no último dia 31 de agosto – por ironia, o dia do meu aniversário. Morre com ele um ideal de jornalismo. Numa nota com tom de obituário, os editores informaram que a transferência do jornal para o mundo online possibilitará a preservação de 200 árvores que eram sacrificadas a cada edição dominical.

Faltou imaginação até para o epitáfio.
___________________________
* Jornalista. Colunista da ZH.
Fonte: ZH online, 04/09/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário