quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Uma espiadinha no subsolo

MARTHA MEDEIROS*


Mal comparando, muito mal comparando, todos nós acompanharemos uma espécie de Big Brother daqui pra frente. Mais grave, mais sério e cujo prêmio será a vida de volta. Estou me referindo, naturalmente, aos 33 mineiros que estão soterrados em pleno deserto do Atacama. Não haverá festas, nem banhos de piscina, nem namoros: o que o mundo inteiro acompanhará serão os efeitos que um confinamento provoca.

O Big Brother da Globo sempre me intrigou sob esse aspecto. Mesmo sabendo que todos sairiam de lá com mais dinheiro e uma fama episódica, ainda assim eram pessoas que passavam dois meses trancafiadas numa casa sem ter contato com o mundo. Eu me perguntava como seria ficar dois meses sem ler um jornal, sem reagir a nenhum estímulo externo, sem poder fazer planos para o dia seguinte, sem poder sumir de vez em quando. O blablablá dos participantes era imbecil, porém até a mais inteligente das criaturas sucumbiria à piração coletiva e passaria a achar relevante a discussão sobre se há alguém conspirando contra você, se o Fulano é um falso amigo ou se é verdadeiro.

Agora, será a vez de os mineiros passarem por isso, em situação incomparavelmente mais infernal. Veremos, através dos equipamentos tecnológicos disponíveis, imagens desses homens emagrecendo, jogando dominó, passando um tempo que, para nós, é veloz, mas que para eles será interminável. E veremos também – ou saberemos através de bilhetes e de depoimentos – como eles irão se virar com a pressão psicológica. É nos confinamentos que as neuras procriam, logo, haverá a hipervalorização da intriga, que gera acusações, brigas e perda de noção. As pessoas tornam-se autorreferentes ao extremo, já que entram numa bolha e ficam apartadas da realidade em companhia de outros solitários, cada um em sua prisão particular.

Existem confinamentos por opção. É quando alguém não se abastece de arte, convive com meia dúzia de alienados e, em vez de ampliar seus horizontes, faz o contrário: se fecha com suas ideias imutáveis e fica se ocupando com fofoquinha, briguinha, um minimundo sem transcendência alguma. Burros. Bitolados. Burocráticos. BBBs a granel, soltos por toda parte.

Os mineiros não escolheram entrar nesse jogo, mas passarão por testes similares e bem mais sacrificantes. Espero que possam receber livros, que é uma maneira de escapar sem sair do lugar. E que consigam, sempre que possível, manter o bom humor. Enquanto um ou outro rir da situação (já foi dito por eles que um colega não está gostando da ideia de ser resgatado porque precisará voltar a tomar banho), a sobrevivência mental do grupo estará garantida. Regra que vale aqui fora também.
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*Escritora. Colunista da ZH
Fonte: ZH online, 01/09/2010

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