sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Umberto Eco volta ao seu assunto favorito, o prazer de ler e de colecionar.

Um prato cheio para os bibliófilos

Eco:
 livro traz ensaios, conferências e alguns textos de ficção,
como o divertido conto "Monólogo Interior de um e-Book"
Autor dos já clássicos "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucault",
Umberto Eco faz aqui um apanhado sobre sua paixão por livros,
reunindo tanto conferências que ministrou quanto textos exclusivos.
O assunto é abordado por vários ângulos:
o simples prazer de ler, histórias sobre livros e a
compulsão por colecionar,
tudo com a habitual criatividade.

Esse título curioso, "Memória Vegetal", é explicado pelo autor logo no primeiro capítulo e vem da necessidade do ser humano de preservar a memória. Inicialmente, o aparecimento da fala gerou a valorização dos velhos, encarregados de transmitir a cultura das tribos para as novas gerações, no que seria a "memória animal". A partir do surgimento da escrita, o homem passa a recorrer aos textos em pedra, às tábuas, aos pergaminhos e finalmente aos livros, que, por ser feitos de celulose, podem ser chamados de memória vegetal. Para Eco, os livros são os nossos velhos.
A paixão por colecionar livros é um dos assuntos mais interessantes. Ele conta que em apenas uma de suas casas dispõe de uma biblioteca com 30 mil volumes e uma das perguntas mais comuns feita por visitantes pouco afeitos à leitura é: "Você já leu todos?" Qualquer um que tenha mais de 200 livros na estante ouviu essa pergunta mais de uma vez e Eco sugere pelo menos três respostas possíveis.
O gosto pela companhia dos livros permeia todos os capítulos e sugere prazeres comuns a todos os bibliófilos, como percorrer sebos em busca de raridades, quase sempre pechinchas. O sonho secreto é encontrar uma velhinha de 90 anos desfazendo-se de suas velharias e, ao vasculhá-las, topar com um exemplar da raríssima primeira "Bíblia" de Gutenberg.
Eco lamenta que um bom colecionador de livros esteja condenado à frustração, pois normalmente não tem a quem mostrar seus tesouros. Enquanto o colecionador de quadros ou porcelanas chinesas sempre impressiona suas visitas com peças raras, pessoas comuns dificilmente se interessam por livros velhos e amarelados, muitas vezes parcialmente roídos por traças.
Embora a maior parte do livro seja composta de conferências e ensaios, uma pequena parte ao final é de ficção. A mais memorável é sem dúvida o conto "Monólogo Interior de um e-Book", divertida narração em primeira pessoa desse livro digital, capaz de conter milhares de obras em sua memória. Como um bibliófilo fanático, é natural que Eco despreze esse objeto de desejo dos modernos leitores consumistas, mas, ao contrário de um previsível e panfletário ensaio de descarte, o autor saiu-se com esse genial libelo no qual o e-book é um ser sem personalidade. Por ser milhares de livros, não é nenhum e, ao tentar lembrar seu conteúdo, mistura histórias como "Moby Dick", "A Ilha do Tesouro" e outros. Inveja, portanto, o tradicional "A Divina Comédia" em papel, pois bastaria ao leitor olhar sua capa para recordar a história.
Como quase sempre ocorre com toda reunião de artigos e palestras de diferentes épocas, também este "Memória Vegetal" é irregular, oscilando entre textos muito criativos e outros nem tanto, especialmente quando discorre longamente sobre livros ou autores nunca publicados no Brasil. Mesmo o artigo que entra na discussão sobre a autoria das obras de Shakespeare se perde numa infindável relação de autores quase inacessíveis. Mas um bom texto de Eco não é coisa a desprezar e histórias de amor pelos livros certamente encontrarão identificação com milhares de leitores.

"A Memória Vegetal"

Umberto Eco
Trad.: Joana D'Ávila
 Record, 272 págs.,
R$ 39,90 / BBB
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Reportagem:  Por Marcelo Lyra
Fonte:Valor Econômico online, 10/09/2010

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