sábado, 22 de outubro de 2011

Christopher Sims: "Uma estagnação longa ameaça os EUA"

O ganhador do Nobel de Economia deste ano afirma que o país precisa se apressar para consertar o sistema financeiro

Quatro anos depois dos primeiros sinais de crise nos financiamentos de imóveis, os Estados Unidos ainda se debatem com hipotecas não honradas e um sistema financeiro manco. O economista Christopher Sims, professor da Universidade Princeton e um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia deste ano, propôs em 2008 um mapa com quatro caminhos possíveis para seu país. Dois eram mais alentadores – um com a resolução rápida da crise, o outro com a resolução lenta, porém visível no futuro. Dois eram pessimistas – um com inflação, o outro com queda violenta de salários. Até agora, não se pode dizer qual deles os americanos seguirão. “Receio que a incerteza hoje continue quase tão grande quanto naquele momento”, afirma. Sims – cujo trabalho vencedor do Nobel relacionou o desequilíbrio fiscal à inflação – até aceita que o banco central americano, o Fed, relaxe temporariamente o controle inflacionário para aquecer a economia, mas desde que as contas públicas tomem um rumo mais saudável. O economista lembra que, em seu país, o Fed já tem reputação histórica de severo domador dos aumentos de preços – a maior ameaça por lá, no momento, é a estagnação prolongada.
JOGO  ABERTO Sims em sua  sala, na  Universidade Princeton. 
Ele acha que o Fed poderia anunciar que vai tolerar inflação de  3% a 
4%, alta para o padrão dos EUA  (Foto: AP Photo/Julio Cortez)
O que é recomendável para os Estados Unidos, porém, não necessariamente é boa ideia para o Brasil, diz Sims. Embora reconheça não ter conhecimento profundo da economia brasileira, ele diz que a inflação aqui correu descontrolada por muitos anos e o Banco Central ainda está construindo sua fama de defensor do poder de compra da moeda. Ele respondeu por escrito às perguntas de ÉPOCA.

ÉPOCA – Como o senhor explicaria, para não economistas, a importância de sua pesquisa?
Christopher Sims –
Se alguém quiser determinar se e com que intensidade um aumento de juros reduz a inflação, simplesmente colocar os dois num gráfico não ajuda. Pode-se obter uma ideia dos efeitos das mudanças nos juros se colocarmos, num modelo estatístico, o tempo que essas variáveis levam para interagir e os fatos de que a alta de juros não afeta imediatamente a inflação e a produção e de que o BC não conhece o nível exato de atividade econômica no mês em que define a taxa. Meu trabalho nessas ideias foi o principal ponto mencionado pelo comitê do Nobel.

ÉPOCA – Sua pesquisa mostrou que, após um aumento na taxa de juros, há um importante intervalo entre o efeito ruim (conter o crescimento) e o efeito bom (conter a inflação). No atual cenário de crise, os bancos centrais não deveriam procurar outras ferramentas para preservar o valor da moeda?
Sims –
A maioria dos bancos centrais, provavelmente o Banco Central do Brasil também, está consciente de que as mudanças na política monetária tendem a ter efeitos sobre a produção mais rapidamente (e com menor duração) do que sobre a inflação. Mas isso não é “ruim”. É apenas o jeito como a economia tende a funcionar. É por isso que os bancos centrais se empenham tanto em manter a inflação estável. Movimentos grandes e frequentes nos juros, a fim de compensar uma inflação instável, têm um alto custo, na forma de oscilações na produção. Temos motivos para acreditar que, se um banco central estabelece a reputação de que age prontamente para manter a inflação estável, não haverá necessidade de alterações tão fortes ou frequentes na política monetária. Na realidade, não existem outras ferramentas para os bancos centrais controlarem a inflação.

ÉPOCA – Seu trabalho também mostrou que o modelo de metas de inflação, como o usado no Brasil, pode dar errado em dois casos: nos países com dificuldade para controlar a inflação e nos países onde o banco central não tem o apoio das autoridades fiscais para manter as contas públicas em ordem. Dependendo do ponto de vista, o Brasil poderia ser enquadrado nesses dois grupos. Metas de inflação podem fazer mal ao Brasil?
Sims –
Anos atrás, era questionável se as políticas monetária e fiscal no Brasil estavam conjuntamente comprometidas com o controle da inflação. A continuidade das políticas após a mudança de poder (na eleição de 2002) aumentou a confiança nesse compromisso. As metas de inflação ajudaram, acredito, mas poderiam ter tornado as coisas piores se a mudança de governo tivesse levado a mudanças erráticas na política monetária. A boa política exige confiança tanto na política monetária quanto na política fiscal. As metas de inflação ajudam quando há uma política fiscal razoavelmente boa, e o Brasil tem satisfeito essas condições recentemente, ao menos em comparação com seus períodos históricos de inflação alta.

ÉPOCA – As grandes economias não estão preocupadas demais com inflação? Numa crise global, não seria mais razoável que os paí­ses dessem prioridade a crescimento e geração de empregos?
Sims –
Nos Estados Unidos, onde o banco central tem uma forte reputação e já baixou a inflação no passado, seria uma boa ideia tolerar a inflação temporariamente na faixa de 3% a 4% – e o Fed (o banco central americano) afirmar publicamente essa intenção. No Brasil, onde a reputação do Banco Central como controlador da inflação é recente, a inflação é mais alta e, acredito, está subindo mais acentuadamente que nos Estados Unidos. Embora meu conhecimento da situação brasileira não seja tão profundo, acho que relaxar as metas de inflação, mesmo temporariamente, pode não ser boa ideia.

ÉPOCA – Em 2002, o senhor afirmou que os modelos usados pelos bancos centrais para definir os juros eram “profundamente falhos”. Mas o senhor parecia otimista e esperava melhoras no médio prazo. Elas ocorreram?
Sims –
Os métodos estatísticos em uso para avaliar e aplicar os modelos melhoraram muito. Em 2002, vi que esses métodos melhores já estavam disponíveis. Eles permitem uma captação mais realista das incertezas e uma avaliação sistemática das falhas do próprio modelo. Esperava que o uso (desses métodos) se difundisse, e eles agora estão amplamente difundidos. Ao mesmo tempo, criticava os modelos por não terem completado, ou pelo menos tornado mais consistentes, as atualizações que tratavam da relação entre a política monetária e a política fiscal. Infelizmente, houve pouco progresso nessa frente. Agora, é claro, os deficits fiscais altos e a impotência da política monetária, (nos países) com juros próximos de zero, geram interesse crescente em melhorar esse aspecto dos modelos. Mas esse aprimoramento ainda não foi feito.
As metas de inflação
ajudam quando há uma política fiscal razoavelmente boa,
e o Brasil tem satisfeito essas condições recentemente"
Christopher Sims
 
ÉPOCA – O Banco Central do Brasil começou a cortar a taxa básica de juros em agosto, em antecipação a um esfriamento da economia que deveria ocorrer pela desaceleração nos Estados Unidos, na Europa e talvez na China. A gestão anterior costumava esperar sinais claros de queda da inflação, antes de fazer cortes na taxa de juros. Qual é sua opinião a respeito disso?
Sims – Como disse antes, não tenho um conhecimento profundo da situação do Brasil. Como princípio geral, sou cético quanto ao atrelamento forte das ações de política monetária às variáveis reais (como nível de produção, estoques e emprego), e mais ainda à antecipação de mudanças nas variáveis reais. Nos Estados Unidos, isso geralmente me levou, no passado, a me opor a elevações de taxas de juros quando a inflação era baixa, mesmo que o crescimento fosse alto. Se a situação no Brasil é o oposto disso, as mesmas preocupações poderiam aparecer.

ÉPOCA – No início da crise, ao avaliar as medidas em estudo no Fed para injetar dinheiro e confiança no sistema financeiro, o senhor formulou quatro cenários possíveis: dois melhores (o “cor-de-rosa”, em que tudo se resolvia rapidamente, e o “sem sorte, mas com boa política”, em que seria possível ao menos vislumbrar a recuperação futura) e dois piores (a “espiral inflacionária”, com a perda do poder de compra do dólar, e a “espiral deflacionária”, com a ameaça de recessão prolongada). Quais são seus cenários atualmente?
Sims – Receio que a incerteza hoje sobre qual cenário emergirá continue quase tão grande quanto era naquele momento (2008). O cenário “cor-de-rosa” certamente não aconteceu. Assumimos que o Fed voltaria em breve ao equilíbrio histórico normal das suas contas. Isso não aconteceu, em boa parte porque a economia se recuperou bem pouco. A “espiral deflacionária”, que parecia uma preocupação iminente em 2008, não se manifestou. Por outro lado, se as piores expectativas com relação à Europa se tornarem realidade, a espiral de deflação ainda é uma possibilidade, em parte porque as ferramentas expansionárias à disposição do Fed estão quase exauridas. A “espiral inflacionária” também persiste como possibilidade, embora não muito forte, ao menos por um ou dois anos à frente. E o cenário “sem sorte, mas com boa política” tampouco apareceu. Ele exigiria o relaxamento temporário do controle da inflação pelo Fed e uma política fiscal coerente de longo prazo. Os Estados Unidos não têm nenhum dos dois neste momento. Valeria a pena acrescentar outro cenário: a “estagnação prolongada”, se não forem resolvidas logo as disfunções do mercado financeiro, como o grande número de hipotecas naufragadas no país.
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REPORTAGEM POR MARCOS CORONATO
Fonte: Revista ÉPOCA on line, 21/10/2011

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