segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O apagão do meu BlackBerry me deixou triste e feliz

Lucy Kellaway*

Nos três primeiros dias da semana passada eu estive enfurnada em uma sala de reuniões na Espanha com um BlackBerry que dava sinais de vida apenas esporadicamente. Desse modo, senti-me como um rato da famosa experiência de estresse realizada na década de 1970.
Nela, os roedores foram submetidos a uma série de choques elétricos. Alguns eram alertados antecipadamente, enquanto que outros recebiam choques sem aviso. O primeiro grupo resistiu muito bem enquanto que o segundo sofreu horrivelmente, desenvolvendo úlceras no estômago. Os apagões do BlackBerry me fizeram sentir como o segundo grupo de ratos. O tempo inteiro eu verificava minha pequena máquina em busca de sinais de vida. Nada. Então, de repente, a luz vermelha acendia e uns poucos e-mails eram recebidos. Mas em vez de me sentir melhor, eu ficava ainda mais ansiosa. Aquilo era tudo? Quando chegariam mais?
Essa foi a primeira das três lições sobre as comunicações modernas que eu aprendi com os apagões: o controle significa tudo. Se conseguimos pensar que somos os mestres de nossos aparelhos eletrônicos, tudo está bem. Quando o meu funciona devidamente, eu o verifico apenas quando tenho vontade (o que é, na verdade, com muita frequência). Mesmo assim, a semana passada provou que esse controle é frágil, pois eu estava sendo dominada pelo aparelho.
A segunda lição diz respeito à superioridade. Durante os três dias, observei as pessoas que me cercavam e analisei os níveis de angústia que elas sofriam com seus BlackBerrys. No meu grupo havia uma marcante relação inversa entre poder e ansiedade. Os mais poderosos pouco se preocupavam com o vazio de suas telas, enquanto que os menos poderosos estavam bastante transtornados.
Há várias explicações para isso. Pode ser que quanto mais importante você é, mais pode se dar ao luxo de ignorar e-mails. Se houver alguma coisa que você precisa realmente tomar conhecimento, alguém o encontrará. O mais provável, porém, é que se você for o tipo pessoa que fica conferindo o tempo todo mensagens estúpidas em uma telinha, você nunca chegará ao topo.
Isso me leva à terceira lição, que é algo que eu já sabia, mas ignorava: a maioria dos e-mails é porcaria. E não existe mensagem mais estúpida que aquela que chega do LinkedIn. Na semana passada, a primeira mensagem que entrou no meu BlackBerry durante seu apagão foi: "Thomas K (estou poupando ele do constrangimento) quer se conectar com você no LinkedIn". Bom, eu não quero me conectar com você, Thomas, pois não o conheço. Em seguida vieram três outros convites de estranhos e um de uma amiga, com quem eu também não quero me conectar no LinkedIn, uma vez que já estou conectada a ela na vida.
Havia também dois lembretes sobre convites que ignorei e atualizações de pessoas que mudaram seus perfis. Minha fome por e-mails era tamanha que me vi dando atenção a isso. Sei que Tom K fez estágio de um mês no Goldman Sachs, período em que ele "encaminhou a vários investidores um relatório de análises...". Também sei que uma mulher de 50 anos atualizou a janela de educação em seu perfil. Como isso funciona? Ela se lembrou de um diploma do qual havia se esquecido?
Posso ver que esses currículos inchados e ostentatórios podem ajudá-lo se você estiver procurando um emprego. Mas não são todas as cem milhões de pessoas que usam o site que estão. A economia está ruim, mas não tão ruim. A única coisa que consigo pensar é que o LinkedIn é, na verdade, um site de encontros disfarçado. Conheço duas pessoas que o usam dessa maneira com resultados consideráveis. Você olha a fotografia, o currículo e começa daí. É tudo aberto, você pode usá-lo enquanto estiver trabalhando, sem o embaraço de participar do Match.com.
De outra forma, não consigo imaginar a razão pela qual alguém vai querer ter contato com estranhos nesse banho turco corporativo. As únicas pessoas que não conheço e que poderia gostar de adicionar no LinkedIn são Mick Jagger, Philip Roth e Bill Gates, mas imagino que eles não me aceitariam. A falha no sistema foi percebida por Groucho Marx: "Eu não entraria para um clube que me aceitasse como sócio".
O LinkedIn está perdendo uma oportunidade ao não ser mais brutal em tornar visíveis as recusas. No e-mail enviado por Tom K há apenas uma opção: aceito. Mas em um mundo em que todos estão conectados entre si (nos dias em que o BlackBerry funciona), o verdadeiro diferencial é não estar conectado. Eis minha ideia de negócios para uma empresa realmente exclusiva: a LinkedOut.
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*Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
Fonte: Valor Econômico on line, 24/10/2011

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