sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Tubarões não entendem Wall Street

Paulo Moreira Leite*

Tem gente que ainda não entende a razão
dos protestos de Wall Street,
que, com vários nomes, mas colocando questões parecidas,
já chegaram a mais de cem cidades do planeta.
Veja o que disse o presidente da Federação Alemã dos Bancos
ao jornal “Financial Times”: os protestos “desviam a atenção
do problema fundamental:
o fato de que já não temos como bancar nossos
Estados de Bem-Estar Social”.

Isso já não é discussão econômica. É indecencia.
Querem convencer a população européia a submeter-se a um projeto economico regressivo, que obrigará os cidadãos da região mais rica e desenvolvida do mundo a aceitar um padrão de vida pior do que seus pais, avós e mesmo bisavós. É disso que se trata, vamos combinar.
É preciso ter perdido qualquer contato com a vida real de homens e mulheres para imaginar que isso será feito assim, sem revolta nem situações de conflito cada vez mais intenso. Se ninguém leu Karl Marx, poderia ao menos prestar atenção no que diz o consultor Nouriel Roubini, dono do troféu de ter sido o mais enfático ao anunciar a crise que teve início em 2008.
O Estado do Bem-Estar Social nasceu na Europa, no início do século passado, como uma resposta às lutas dos trabalhadores. Temia-se que, sem uma resposta à altura, essas mobilizações acabassem produzindo levantes revolucionários, como havia ocorrido em Paris, em 1871, na célebre Comuna que governou a França durante meses, e na Russia de 1917, onde nasceu um regime que iria se prolongar
por mais de 80 anos.
No esforço para conservar o capitalismo, oferecendo um pouco mais do que migalhas que caiam da mesa, os partidos social-democratas foram capturados, aderiram a antiga ordem e deram apoio a reformas sociais importantes, como a como jornada de 8 horas, férias anuais, aposentadoria. Depois da Segunda Guerra, essas conquistas se consolidaram durante 30 anos consecutivos de crescimento, conhecidos como 30 anos gloriosos, com crescimento e desconcentração de renda.

"A economia irá se recuperar
pelo crescimento, pela expansão do emprego
 e do consumo — ou avançará
em seu processo
de autodestruição."



Na entrada do século XXI, elas estão em cheque. Por que? Porque o capital financeiro tornou-se senhor do mundo. Acumula fortunas fabulosas, produz lucros como nunca e impõe sua lógica ao conjunto da sociedade. Privatiza os lucros e socializa prejuízos numa escala numa vista, como se viu na crise de 2008. Gera grandes fortunas e, em contrapartida, eleva a desigualdade e a concentração da riqueza.
Sua lógica trabalha na acumulação acelerada no plano economico e concentração de poder político, num grau tão absurdo e exclusivo que a própria luta política torna-se cada vez menos importante, pois os homens públicos e eleitores comuns não tem poder real sobre a tomada de decisões relevantes, que são resolvidas em bastidores sombrios.
Num esforço para moldar homens e sociedades a sua semelhança, o capital financeiro quebrou fronteiras nacionais, alegando que eram uma barreira à civilização global. Transferiu empregos para a Asia, esvaziando as sociedades de países desenvolvidos. Em poucos lugares — a Alemanha é um deles — a estrutura industrial foi preservada, ao menos provisoriamente.
Na maioria dos países foram criadas economias de serviço, que geram cúpulas bilionárias e uma base empobrecida com remuneração incerta, empregos precários e direitos em cheque.
Nessa situação, é claro que os banqueiros questionam o futuro do Estado de Bem-Estar Social. Sem crescimento, sem empregos estáveis, nenhum governo pode ter receitas necessárias para pagar pelos serviços que deveriam prestar.Mesmo aposentadorias privadas, vistas como a salvação da lavoura depois do esvaziamento dos sistemas públicos, se encontram baqueadas depois do colapso das bolsas. São essas vozes que dizem que não é mais possível pagar pelo Estado de Bem-Estar Social. Falam em demografia, em mão-de-obra chinesa, em redução de direitos. Não entenderam que o problema é sua lógica perversa, que levou o sistema de exclusão e empobrecimento para os países desenvolvidos. A economia irá se recuperar pelo crescimento, pela expansão do emprego e do consumo — ou avançará em seu processo de autodestruição.
Essa é a questão.
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* Jornalista desde os 17 anos, foi diretor de redação de ÉPOCA e do Diário de S. Paulo. Foi redator chefe da Veja, correspondente em Paris e em Washington.
Fonte:http://colunas.epoca.globo.com/paulomoreiraleite/2011/10/20/
Imagem da Internet

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