WILSON SOUZA*
Como ocorre todos os anos nesta esquina do hemisfério, o horário de verão desperta simpatias e rancores. Tem gente que odeia acordar uma hora mais cedo, mas também tem quem prefira contar com um dia maior para curtir, ou para fazer mais coisas, caso dos carregadores de piano – categoria em que, na maioria das vezes, me incluo.
Sou um fazedor de coisas. Uma vez na vida, outra na morte, tento tocar uma sonata no teclado do computador, mas nem sempre as letras me obedecem. Então, o mais sensato é acordar cedo e compensar a inspiração escassa com o suor farto. Às vezes, uma simples frase, desavisado leitor, me toma horas. Daí por que resolvi escrever sobre a hora perdida deste início de primavera.
A novidade da mudança de horário este ano é que a mexida nos ponteiros chegou acompanhada de uma pesquisa publicada pela Harvard Business Review que sentencia: os madrugadores são mais produtivos e os notívagos são mais criativos. Claro que também aqui há exceções. Mas faz sentido: as pessoas que começam a operar de madrugada costumam chegar ao fim do dia com a lista de tarefas zerada. Já para os dorminhocos, que saem da cama nas primeiras horas da tarde, a noite é inspiradora, até mesmo porque eles estão com o cérebro em plena atividade quando ela chega.
Como diz o Eclesiastes, há tempo para todo propósito debaixo do céu – inclusive tempo de mexer nos marcadores de tempo, com o pretexto de poupar energia, ainda que isso possa alterar relógios biológicos e humores. Tempo de amar e tempo de odiar, registrou de forma premonitória o texto bíblico, prevendo a reação dos contemporâneos do horário de verão.
O tempo é uma invenção da morte, dizia o poeta Mario Quintana, complementando o pensamento com fina ironia: os anjos ficam espantados quando alguém acorda para a vida eterna e pergunta “que horas são?”. Deve ser mesmo engraçado. Mas nós, os não poetas, somos escravos do relógio – esse tirano inflexível que devora vidas. Por isso, sentimos tanto quando uma decisão política nos rouba uma hora, mesmo com a promessa de devolução.
No dia 26 de fevereiro de 2012, vence essa fatura. Se o mundo não terminar, como profetiza aquele insistente pastor norte-americano, a hora confiscada por decreto presidencial nos será devolvida com todos os seus minutos e segundos, mas sem juros e correção temporária para compensar o contratempo das noites maldormidas.
Até lá, colegas madrugadores e irmãos notívagos, teremos bastante tempo para pensar na melhor maneira de aproveitar a hora recuperada.
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* Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 29/10/2011nilson.souza@zerohora.com.br
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