Walter Isaacson, biógrafo
do fundador da Apple,
afirma que ele se considerava
especial por ter sido adotado
Patrice Gilbert/divulgação
Walter Isaacson, autor da biografia autorizada de Steve Jobs
PAULA LEITE
EDITORA-ASSISTENTE DE MERCADO
Menos de 20 dias depois da morte de Steve Jobs, chega nesta segunda-feira às livrarias a primeira biografia autorizada do fundador da Apple.
O autor de "Steve Jobs", Walter Isaacson, fez mais de 50 entrevistas com seu sujeito e conta sua infância, sua vida profissional, sua doença e seus arrependimentos.
A Folha conversou com Isaacson por telefone. Leia abaixo a entrevista.
FOLHA: Como começou o processo de escrever a biografia de Steve Jobs?
ISAACSON: Eu conhecia Steve há 20 anos, desde que eu trabalhava na revista Time e ele veio nos visitar para mostrar o primeiro computador Macintosh. Eu sempre gostei dele, apesar de ele ter uma personalidade forte. Ou ele estava falando sobre como um produto ou revista era ótimo ou estava furioso com uma reportagem péssima.
Em 2004, no começo do verão [no hemisfério Norte, por volta do mês de junho] ele me ligou e falou que queria dar uma caminhada comigo.
Eu acho que caminhar era o jeito dele de ter longas conversas. E nós acabamos conversando sobre eu escrever uma biografia dele.
Eu tinha acabado de terminar uma biografia de Benjamin Franklin e estava fazendo uma de Einstein, e eu pensei, é um pouco presunçoso da parte dele achar que, Franklin, Einstein, a próxima pessoa nesta lista é Steve Jobs.
John G. Mabanglo/Efe
Biógrafo falou com mais de 100 pessoas para compor obra sobre Steve Jobs, o fundador da Apple.
Eu achava que ele estava no meio de uma carreira que tinha tido altos e baixos.
Ele ainda não tinha inventado o iPhone. Eu falei a ele, eu adoraria escrever um livro sobre você, mas vamos esperar uns 20 anos, até você se aposentar. Aí conversamos sobre outras coisas.
Mas de vez em quando, por exemplo quando meu livro sobre Einstein foi lançado, eu o via. Steve veio a um evento do livro e perguntou de novo se eu não faria uma biografia dele.
Finalmente a mulher dele, Laurene, disse, 'se você vai fazer uma biografia dele, melhor fazê-la agora'. Isso foi em 2009 e ele tinha acabado de fazer um transplante de fígado, isso tinha se tornado público. Eu não tinha noção de como ele estava doente.
Nesse momento eu percebi que ele era o inovador mais criativo de nosso tempo e eu falei, claro, adoraria fazer o livro. Então nós começamos a trabalhar nele em 2009.
FOLHA: Com quantas pessoas você falou? Quantas vezes conversou com o próprio Steve?
ISAACSON: Fiz perto de 50 entrevistas com ele e falei com cerca de 110 outras pessoas. Falei inclusive com pessoas que ele demitiu, com pessoas com quem ele havia brigado.
Nós concordamos que ele não teria controle sobre o livro, que ele nem o leria antes de ser publicado. Então eu tentei conversar com pessoas que eram seus amigos mas também com seus inimigos, para ter a visão completa.
FOLHA: Quando foi a última vez que você falou com ele?
ISAACSON: Eu falei com ele logo depois de ele deixar a presidência da Apple, e falei com ele algumas outras vezes por telefone. Minha última visita foi no final de agosto, quando ele já estava bastante doente, estava deitado e não podia se levantar e andar.
Steve apontou para várias gavetas em seu quarto e me pediu para olhar nelas, porque nelas havia fotos de seu pai, de sua família, e ele queria que eu as visse caso quisesse usá-las no livro.
FOLHA: Ele lhe falou bastante sobre sua infância e juventude? Houve algo que te surpreendeu sobre esta parte da vida de Steve Jobs?
ISAACSON: Uma das coisas que eu gostei muito foi quando ele me levou em caminhadas pela vizinhança na qual ele cresceu [em Los Altos, Califórnia]. Ele apontou as casas baratas, feitas para a classe trabalhadora, nas quais ele cresceu e disse que eram bem desenhadas, com muito vidro, tinham um design simples e bonito.
Ele decidiu que quando crescesse queria fazer designs simples e bonitos para as massas, queria que muitas, muitas pessoas tivessem acesso a bom design.
Ele me contou sobre como seu pai [o metalúrgico Paul Jobs] tinha construído com ele uma cerca em volta do jardim atrás da casa. E seu pai disse a Steve, 'temos que fazer a parte de trás da cerca tão bonita quando a frente', mas Steve o questionou, dizendo que ninguém veria a parte de trás.
E seu pai disse: 'mas nós saberemos que tivemos o cuidado de fazer a parte de trás tão bonita quanto o resto'. Isso se tornou um princípio na vida de Steve, mesmo as partes escondidas de um produto Apple tinham que ser bonitas, porque ele pensava como um artista e fazia um produto tão bonito quanto fosse possível.
FOLHA: Você teve a impressão de que ele teve uma juventude feliz?
ISAACSON: Sim. Ele era um garoto rebelde, meio hippie, ele usava drogas, amava rock, estudou budismo. Ele era parte da contracultura quando estava crescendo. Eu acho que havia momentos em que ele se interessou pela intersecção da contracultura com a cultura dos eletrônicos, e isso o fazia muito feliz.
Monica M. Davey - 6.jun.11/Efe
Steve Jobs apresenta o iCloud em San Francisco em julho deste ano; ele morreu em 5 de outubro 56 anos,
de consequências de câncer pancreático
FOLHA: Muito se fala sobre o fato de que ele era adotado. Isso era algo que ele sentia que o definia ou era algo sobre o que ele não pensava muito?
ISAACSON: Ele pensava muito nisso. Quanto Steve tinha seis anos, ele estava conversando com uma garotinha que morava do outro lado da rua e ele contou a ela que tinha sido adotado. Ela disse 'oh, quer dizer que seus pais de verdade não te quiseram?'
Steve ficou muito abalado e começou a chorar. Ele voltou a sua casa e perguntou a seus pais sobre isso, e eles disseram, você tem que entender que nós escolhemos especificamente você, você é especial porque foi escolhido.
Então eu acho que ser adotado para ele significava que ele se preocupava um pouco com quem ele era e de onde havia vindo, mas também o fazia sentir que era especial, escolhido. Quando era um garoto ou um adulto rebelde, ele sempre achou que era especial, que as regras não se aplicavam a ele.
FOLHA: Que tipo de marido e pai ele era?
ISAACSON: Steve tinha uma mulher maravilhosa, que era um rochedo de estabilidade na sua vida, Laurene. Ele se focava em duas coisas na sua vida, seu trabalho e sua família. Ele não era o tipo de pessoa que saía à noite, que viajava muito.
Quase toda noite ele voltava para casa e se sentava na mesa da cozinha com seus filhos para jantar. Steve não era um pai perfeito, ele às vezes era irritadiço, sem consideração. Mas ele se arrependia disso. Especialmente depois que ficou doente, ele prestava mais atenção à sua família, e no final todos os seus filhos deram certo e o amavam, então é difícil julgá-lo como pai a não ser pelo resultado e o resultado é que ele tem filhos ótimos.
FOLHA: Como ele se sentia sobre o período que ficou fora da Apple [de 1985 a 1997]?
ISAACSON: Eu acho que ele se sentiu muito machucado e abandonado quando foi mandado embora da Apple, ele ficou furioso. Mas isso o ajudou a aprender algumas coisas, inclusive como ser um gerente melhor.
Quando ele saiu da Apple, ele fundou sua própria empresa, chamada NeXT, e ele usou toda a sua paixão e fez um computador maravilhoso, mas que não vendeu bem porque era caro demais. Então ele aprendeu na NeXT como fazer escolhas difíceis, para poder fazer produtos bons mas que fossem acessíveis a pessoas comuns.
FOLHA: Quando você fala dele, com frequência aponta seus defeitos.
ISAACSON: Steve era um homem de muitas contradições. Ele era um grande artista apaixonado, mas também era cruel, tinha uma personalidade difícil. Ele não era uma pessoa comum.
Ele via as outras pessoas como sendo gênios ou sendo estúpidas, e de uma certa forma essa visão do mundo se refletia de volta para ele: algumas pessoas achavam que ele era ótimo e outras achavam que ele não era legal. É por isso que foi difícil escrever este livro, porque as pessoas tinham opiniões fortes sobre ele, a favor ou contra.
Brian Snyder/Reuters
Funcionários da Apple colocam cortinas em frente às janelas de uma loja da empresa em Boston
FOLHA: que tipo de chefe ele era?
ISAACSON: Ele era um chefe que exigia trabalho duro. Ele chegava um dia e dizia que o que você fez era a coisa mais maravilhosa já feita, no outro dia seu trabalho era a pior coisa já feita. Ele nunca ficava no meio.
Às vezes as pessoas achavam difícil trabalhar para ele. Mas no final ele desenvolveu um time de pessoas na Apple que sabiam enfrentá-lo e que sabiam melhorar quando ele ficava bravo. Essa foi a força dele, criar um time de estrelas, porque ele não tinha tolerância para quem não era uma estrela.
FOLHA: Uma das pessoas que parece ter sido muito importante para ele é Jony Ive [o principal designer da Apple]. Ele falou bastante com você sobre a relação entre eles?
ISAACSON: No livro há um capítulo inteiro sobre a relação de Steve com Jony Ive. Toda tarde, quando estava na Apple, Steve ia ao estúdio secreto de design, onde Ive fazia os designs para os novos produtos.
Os dois andavam pelo estúdio, onde havia seis mesas industriais grandes, com todos os produtos nos quais a Apple estava trabalhando.
Havia modelos deles, porque Steve gostava de tocá-los e senti-los, não gostava de ver um desenho. Não só produtos como o iPod ou o iPad, mas também coisas como o adaptador elétrico, coisas às quais eu e você não prestaríamos atenção.
Jony Ive era como um parceiro espiritual de Steve na Apple, eles passavam algumas horas em silêncio andando pelo estúdio, tentando decidir quais designs funcionavam.
FOLHA: Você acha que a Apple tem hoje um bom time, preparado para tocar em frente, ou você acha que a empresa vai sofrer por não ter mais Steve Jobs por perto?
ISAACSON: Eu acho que Steve criou na Apple quatro ou cinco estrelas executivas que conseguirão manter viva a visão dele de conectar arte e tecnologia. Eu acho que ele conseguiu inserir isso no código genético da Apple, que sempre será um lugar criativo.
Ele pensava na Apple como o produto mais importante que havia criado, mais importante que o iPod ou o iPad, e dizia que a coisa que o deixava mais orgulhoso não eram os produtos, mas a empresa na qual as pessoas podiam criar ótimos produtos.
FOLHA: Quais eram seus grandes arrependimentos?
ISAACSON: Eu acho que ele se arrependia de como havia tratado sua primeira filha [Lisa, que teve com a namorada Chrisann Brennan em 1978. Ele não reconheceu a menina por cerca de dois anos]. Ele tentou se redimir depois, quando Lisa foi morar com ele.
Eu acho que ele se arrependia de algumas decisões de negócios, como o primeiro Mac, que era muito caro. Eu acho que ele se arrependia também de não ter feito a cirurgia para curar seu câncer mais cedo, de ter esperado nove meses.
FOLHA: Quem eram algumas das pessoas que ele não aguentava, com quem teve grandes brigas?
ISAACSON: Suas grandes brigas eram com pessoas que ele achava que tinham roubado suas ideias. Ele teve uma grande briga com a Microsoft nos anos 1980, porque ele achava que a Microsoft tinha roubado a aparência do sistema Macintosh, o display gráfico. Da mesma forma, depois ele teve uma briga com o Google, porque ele achava que eles tinham copiado a aparência do iPhone no sistema Android.
RAIO X
WALTER ISAACSON
IDADE
58
PROFISSÃO
Jornalista e escritor
CARREIRA
Ex-editor da revista "Time" e ex-presidente da CNN
BIOGRAFIAS
Einstein, Benjamin Franklin e Henry Kissinger
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Fonte: Folha on line, 24/10/2011
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