sábado, 29 de outubro de 2011

Conjugar São Francisco e Diderot: o desafio de Kristeva

"Em Assis, eu não estarei mais no 'Átrio' dos gentios,
mas sim dentro, no templo.
Esse é o símbolo de um caminho da Igreja e dos humanistas.
É a indicação de um caminho ulterior e mais fértil".
Julia Kristeva vive com emoção o seu papel inédito:
será ela, entre mais conhecidos os intelectuais em nível internacional,
que vai representar, com o seu discurso,
os não crentes (quatro expoentes da cultura "secular",
"prefiro dizer humanistas") presentes na peregrinação inter-religiosa de Assis,
novidade absoluta do encontro atual.

E, no debate da tarde da última quarta-feira, 26, na Universidade de Roma Tre, a psicanalista francesa admitiu a sua "emoção" por essa presença: "São necessárias novas alianças e novas pontes entre crentes e não crentes: precisamos levar o Átrio à Igreja e a Igreja ao Átrio".
A referência é ao Átrio dos Gentios, espaço de diálogo entre crentes e ateus desejado por Bento XVI, organizado pelo cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura. Que nesta quarta-feira, na universidade romana, apresentou o seu primeiro livro publicado pela editora Donzelli, uma coleção de alguns textos de um congresso em Bolonha.
Ravasi lembrou que o diálogo foi uma perene prática eclesial: "Uma operação que sempre foi feita na história do cristianismo. Nós estamos unidos por causa da nossa descendência comum de Adão, um elemento que precede o pertencimento étnico e religioso. Todo homem olha para a terra, para o seu semelhante e eleva o olhar para Deus".
"Crentes e não crentes diante dos desafios da modernidade" foi o título da mesa redonda, prelúdio "ateu" e cultural de Assis. O Átrio, para o reitor Guido Fabiani, constitui uma "extraordinária estrutura de diálogo que segue o convite de João Paulo II, 'a consciência generalizada da unidade' no gênero humano". E Giacomo Marramao, filósofo da política, reservou uma dura crítica aos "ateus e devotos. São figuras especulares. O ateu devoto Richard Dawkins quer demonstrar empiricamente a inexistência de Deus. Ao contrário, devemos pensar no homem nos termos de Pascal: aquele que supera infinitamente a si mesmo".
No processo de" reapropriação da memória da cultura europeia diante da crise atual" que Julia Kristeva deseja, desponta o profeta da morte de Deus: "Nietzsche nos pediu que colocássemos um ponto de interrogação em Deus e no homem. Nós temos a sorte de ter um papa filósofo: ele lembrou como o cristianismo é precedido pelo direito greco-romano e seguido pela Declaração dos Direitos Humanos".
O caminho comum entre quem crê e quem não crê, segundo Kristeva, foi traçado por Bento XVI "no seu Jesus de Nazaré, onde ele fala do homem como uma 'singularidade indestrutível'". Uma tarefa aparece no horizonte: conjugar "São Francisco, humanista ante litteram" com a tradição dos vários "Erasmo, Diderot, Freud. Nós, humanistas – destacou a intelectual franco-búlgara – não podemos sempre nos orgulhar da razão depois que houve os gulag e o Holocausto. Temos a tarefa de inventar novas legislações. Mas atenção: o humanismo não é teomorfismo. Não devemos colocar o homem no lugar de Deus".
O debate continua em aberto: para Remo Bodei, filósofo não crente, "a religião é o maior projeto de oferta de sentido à humanidade. Assis testemunha a aproximação progressiva à verdade, hoje degradada a opinião. Mas o esplendor da verdade da qual falava João Paulo II é só da religião ou essa verdade tem um significado humano mais profundo?".
A resosta chega, implícita, de dois olhares inéditos e provocantes: Walter Baier se apresenta como "economista marxista pós-stalinista. Do stalinismo, aprendi que o caminho do futuro é o de pessoas que, de posições diferentes, constroem o futuro juntas". E, admirado, lembra os seus encontros com Chiara Lubich, fundadora dos Focolares.
E Guillermo Hurtado, pensador mexicano, identifica a continuação do Átrio (etapas futuras em Tirana, Palermo, Estocolmo, Barcelona): "É preciso que crentes e não crentes vão além da abertura para passar à aventura. Que consiste em ousar atravessar o corredor que passa entre a fé e o vazio".
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A reportagem é de Lorenzo Fazzini, publicada no jornal dos bispos italianos, Avvenire, 27-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 29/10/2011

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