Rubem Alves*
Na adolescência e juventude o sexo é um vulcão incontrolável em constante erupção, sem precisar que alguma causa exterior o provoque. Ele explode porque explode, porque não consegue segurar o fogo que lhe queima as entranhas. Aí, num orgasmo de fogo e cinza ele ejacula lava incandescente que escorre e vai na direção do mar, na esperança de que a água fria o acalme. Assim é o sexo na adolescência e na juventude: o que os homens querem é que as mulheres esfriem o seu fogo. A função das mulheres é apagar o fogo. Aí o tempo passa. Vem a maturidade, vem a velhice. O vulcão fica tranquilo. Até parece que ficou inativo. Ficou não. É que os fogos dos vulcões velhos são fogos diferentes. Parecem-se mais com os fogos de artifício. Os foguetes: quietos, frios, sem cor, inertes, adormecidos... Mas o seu fogo não acabou. Está à espera de alguém que o acenda. Aceso por alguém, o foguete sobe falicamente numa ereção vertical na direção do céu, para explodir em milhões de estrelinhas coloridas. Na maturidade e na velhice o sexo dos homens está à espera de alguém que o acenda. E se, na juventude, a mulher apagava o fogo, na maturidade e na velhice ela tem o poder - se quiser - de acender o fogo. Claro, para que a mulher acenda o fogo é preciso que ela ame as estrelinhas coloridas...
O PÓ BRANCO: Era o ano de 1942. A guerra na Europa produzia efeitos nas cozinhas mineiras: o açúcar acabou. Acabaram também os doces mineiros. O jeito foi comprar os estoques de balas que sobraram nas vendas, guardadas em vidrões de boca larga. A gente fervia as balas na água e com a água doce fervente coava o café. Depois acabaram as balas. O jeito era apelar para a sacarina. Horrível. Amarga. Preferível café sem açúcar. O pó branco, açúcar, era bem raríssimo, que só se comprava no mercado negro. Meu pai, viajante, conseguiu comprar meio quilo de açúcar numa de suas viagens. Eu me lembro: nos reunimos na cozinha e o meu pai colocou sobre a mesa o embrulhinho que ele foi solenemente abrindo, até que o pó branco apareceu. Morava em nossa cidadezinha uma velhinha maravilhosa, fofa, macia, branca de pó de arroz, que muito amávamos: Lilisa. Meu pai se lembrou dela. E num gesto supremo de amor, separou com uma faca metade do açúcar, embrulhou-o para presente, e fomos todos, em procissão, até a casa da Lilisa, conduzindo em andor o corpo de Cristo, 250 gramas de açúcar cristal...
O CANO DE FERRO: Na Europa, nos prédios velhos, era comum que os canos de água passassem a descoberto por dentro dos apartamentos. Naquele tempo, não havia canos de PVC. Eram todos canos de ferro. A Tomiko, que estuda as coisas do ficar velho, me contou a estória de duas velhinhas que moravam no mesmo prédio. O apartamento de uma ficava bem em cima do apartamento da outra. Ao lado de suas camas passava, na vertical, um cano de ferro. Elas tinham um acordo. Todas as manhãs aquela que acordasse primeiro bateria no cano de ferro e a outra responderia. Faziam isso porque tinham medo de morrer - e fossem encontradas com formigas saindo pelo nariz. Assim, quando a outra respondia às batidas, isso queria dizer que as duas continuavam vivas. Houve um dia, entretanto, em que uma velhinha bateu no cano e não houve resposta. Bateu mais uma vez e outra e mais outra - e era só o silêncio...
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Acaba de sair o meu livro Palavras para Desatar Nós. O assunto é inspirado na psicanálise: o poder das palavras para enfeitiçar e para desatar feitiços. E também na filosofia. L. Wittgenstein, um dos maiores filósofos do século passado definiu a filosofia como uma "batalha contra o feitiço da nossa inteligência por meio da linguagem". De acordo com o evangelho, que diz que nossos corpos são palavras encarnadas... (Papirus Editora).
Pesquisa do BLOG.;
Palavras para desatar nós
Sai de gráfica hoje o livro Palavras para desatar nós, de Rubem Alves. Mais um lançamento da Papirus Editora!
Você está lendo uma frase, um parágrafo. De repente, surge um sorriso em seus lábios.
Todos nós já vivemos algo assim. Trata-se do poder da palavra. Para além ou para aquém do que o autor queria dizer, aquela ideia lhe trouxe à lembrança uma experiência prazerosa, ou talvez o tenha levado a devaneios divertidos ou interessantes.
Seja como for, é evidente o poder da palavra. Ele se manifesta, por exemplo, quando um texto nos descola do aqui e agora, do pressuposto ou já conhecido, transportando-nos para outras paragens, outros modos de ver e sentir.
Esse é um jeito de desatar nós. Deixar-se conduzir pela mão do autor aos cenários os mais diversos, espiando o mundo com outros olhos.
"As pessoas que me procuraram nos anos em que exerci a psicanálise eram todas diferentes e tinham queixas diferentes. Mas debaixo das múltiplas pequenas queixas havia uma única grande queixa: queriam ter alegria. Essa é a busca comum de tudo o que vive. Acho que até as plantas querem ser felizes. (...)"
(Do site de Editora Papirus).
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*Teólogo. Educador. Escritor.
Fonte: Correio Popular on line, 30/10/2011
Imagens do BLOG. Da internet.
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