quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Ciência e Pa(ciência) no exercício da docência

Mirna Marques Bezerra Brayner*
Neste 15 de outubro, depois de delicadas mensagens parabenizando-me pelo dia do professor, pus-me a pensar no exercício da docência. Daí, duas palavras vieram meio que automaticamente à minha cabeça: Ciência e Paciência.
Etimologicamente, a palavra "Paciência" (do latim patientia) não é resultado da junção entre as palavras "paz" e "ciência". Paciência deriva do latim patientia e significa "virtude que consiste em suportar os males ou os incômodos sem queixume e com resignação" (Dicionário de Língua Portuguesa, 5ª edição, pp. 66). Por outro lado, a palavra Ciência provém do latim scientia (conhecimento). Portanto, Ciência remete à academia, à objetividade, à produção/geração de conhecimento e/ou de tecnologias.
Diz-se que dentre as sete virtudes, a mais difícil de desenvolver é a Paciência. Ademais, a Paciência acaba por englobar outras virtudes como a fortaleza. Daí porque, embora a palavra Paciência remeta à espera, de fato denota ação, uma atitude dos fortes, uma vez que a Paciência deve estar intimamente ligada a um movimento incessante e sistemático na busca por respostas aos nossos questionamentos e inquietações, estas fomentadas e aquecidas pela nossa prática diária do (tentar) fazer ciência/ensino/aprendizagem.
Neste sentido, é que devemos ancorar nossas inquietações na concentração e na Paciência. Somente com obstinação e Paciência é que a Ciência consegue atender às angústias do animal humano, porquanto a resignação, o sofrer calado, tem muito mais cor e encanto se desse cenário for capaz de brotar uma resposta para um velho enigma, ou uma nova indicação terapêutica para um velho fármaco.
São Tomás de Aquino disse que a tolerância é o mesmo que a Paciência. E a Paciência, como dito anteriormente, é paixão, no sentido de coisa a suportar. Suportar as coisas desagradáveis como a voz rouca (com cisto nas cordas vocais) que nos impede de conduzir uma boa preleção; a refutação da nossa (hipó)tese; o resultado negativo que pode ser um bom resultado. Mas é preciso muita Paciência. Chega o monitor, o aluno de iniciação científica, o mestrando, o doutorando, inquietos todos (e impacientes!) com seus achados, com a sua falta de tempo de contemplar seus protocolos e seus cadernos, com o seu fazer diário de Ciência, porque a graduação e a pós-graduação lhes consomem...
E de novo, o que é característico da idade, falta-lhes a Paciência para apreciar o resultado, admirar com mansidão dado por dado, encantar-se na construção (e desconstrução) de um gráfico e desencantar-se com a mesma leveza, quando descobrem que o desvio padrão está enorme. Será preciso aumentar o n (mas e o princípio dos 3Rs, como fica??). Escolher a opção connecting line pode não levar a lugar nenhum, apenas para mais uma janela do Graph Pad Prism. Portanto, embora etimologicamente distintas, Ciência e Paciência são inseparáveis, sendo imperativo colocar um pouco de paixão (Paciência) nessa palavra (Ciência) tão objetivamente ligada à razão.
"É no ensino que se aprende a pensar.
E é da capacidade de pensar que surgem
os pesquisadores. Se a pesquisa é um fruto,
o ensino são as sementes que foram plantadas.
 Sem sementes não há árvores,
sem árvores não há frutos"
- Rubem Alves -

Mas só a prática diária, a repetição, a frustração também, muita leitura, 'nulla dies sine línea', é que podem nos conduzir às searas da produção da Ciência e tecnologia, à formação de pessoal (e de pessoas também) e à satisfação tanto profissional como emocional, no nosso convívio diário, entre paredes em quase ruínas. E por falar em ruínas, como não visualizar um caleidoscópio - do grego: kalos=belo; eidos = imagem; e scopéo = vejo = vejo belas imagens). O caleidoscópio é um objeto mágico construído a partir de fragmentos, de pedacinhos (vidro colorido, espelhos), que uma vez integrados permite a construção das mais inusitadas imagens, dependendo, claro, da habilidade (e muito da sensibilidade) de seu usuário. Daí que na nossa prática diária construímos belas imagens, belos dados, embora não na velocidade que desejaríamos, tendo muita Paciência de organizar idéias, de juntar (ou catar) letrinhas. E a percepção de cada um faz toda a diferença.
Todavia, além de muita Paciência, no caminho do fazer diário da Ciência, exercitamos outras virtudes que nos mantém unidos muito além de um resumo em um congresso, um projeto, um paper, uma patente, um registro. Buscamos e trabalhamos na nossa convivência a generosidade, a diligência, a humildade, para não citar as outras virtudes, na perspectiva de que não nos tornemos embrutecidos e obtusos.
Mas o dia do professor só existe porque existe o aluno. "É no ensino que se aprende a pensar. E é da capacidade de pensar que surgem os pesquisadores. Se a pesquisa é um fruto, o ensino são as sementes que foram plantadas. Sem sementes não há árvores, sem árvores não há frutos" - Rubem Alves. Aqui, utilizando-se do modelo proposto por Paulo Freire, repudiamos o modelo tradicional da prática pedagógica de "Educação Bancária", uma vez que essa visa a mera transmissão passiva de conteúdos do professor, assumido como aquele que supostamente tudo sabe, para o aluno, assumido como aquele que nada sabe. "Era como se o professor fosse preenchendo com seu saber a cabeça vazia de seus alunos; depositava conteúdos, como alguém deposita dinheiro num banco. O professor seria um mero narrador, nessa concepção de educação" (FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 2ª edição, 1975)
E por fim, mas não menos importante, finalizo esse breve rascunho com um texto de Paulo Freire: "A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, essa pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação". (FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 2ª edição, 1975, pág. 44.).
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* Mirna Marques Bezerra Brayner é professora do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da Universidade Federal do Ceará - Campus de Sobral.

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