sábado, 22 de outubro de 2011

Scott Z. Burn: “Nunca pesquisei tanto”

O roteirista de "Contágio" diz que o diretor Steven Soderbergh e ele fizeram um filme cientificamente possível

 Scott Z. Burn, trabalhou como roteirista em Uma verdade inconveniente, de Al Gore, e em O ultimato Bourne. Contágio é o seu segundo filme com Soderbergh; a parceria dos dois foi iniciada em O desinformante!, que tem um breve diálogo sobre como as doenças se espalham graças a hábitos cotidianos. O trecho serviu como inspiração para Contágio.

A PESQUISA
“Eu pesquisei muito. Estive na sede do CDC em Atlanta duas vezes, passei dezenas de horas conversando com oficiais da Organização Mundial da Saúde na Suíça e mantive contato constante com um epidemiologista da Universidade de Columbia chamado Ian Lipkin, cujo trabalho é descobrir novos tipos de vírus. Ele esteve conosco durante todo o processo de produção do filme. Minha pesquisa para este filme foi maior do que a de qualquer outro roteiro que eu tenha feito.”
“Várias cenas e personagens surgiram durante o processo de pesquisa. Há um pouco de Ian Lipkin em todos os cientistas que mostramos no filme, por exemplo, embora nenhum personagem seja uma representação exclusiva dele. Conhecer os cientistas pessoalmente ajudou a moldar as personalidades dos cientistas do filme. São pessoas que tem uma dedicação extrema a resolver problemas como esse.”
“O que mais me surpreendeu foi que todos os cientistas com quem conversei viam o filme como algo totalmente possível. Em algumas partes do roteiro eu achei que havíamos ido longe demais e a ciência não corroboraria as situações que criamos, mas quase sempre descobrimos que aquilo podia acontecer. Isso foi alarmante: a diversidade de vírus é enorme, e cada vez que entramos em contato com um organismo novo é como se estivéssemos fazendo uma aposta. A natureza cria coisas belas, mas também cria grandes perigos.”
 
A IDEIA
“A ideia surgiu logo depois que eu e Soderbergh terminamos O desinformante!, também com Matt Damon. Queríamos trabalhar juntos de novo. Há uma cena em que o personagem de Matt Damon fala sobre como as doenças funcionam e como são transmitidas de uma pessoa para outra. O embrião da ideia veio daí. Muita gente fala que as pandemias vêm em ciclos, e fazia tempo que não havia nenhuma. Queríamos mostrar como elas funcionavam do ponto de vista dos médicos, em vez de fazer um filme de terror convencional.”
“Imaginamos algumas situações extremas, como o uso de pulseiras com códigos de barras para identificar pessoas imunes, uma loteria para determinar as datas de vacinação de cada cidadão e bloqueios nas estradas para colocar cidades inteiras em quarentena. O interessante foi que nenhum dos cientistas e oficiais do governo para quem mostramos o filme disse que aquilo seria inverossímil. Eles diziam ‘em uma situação como essa, teríamos que inventar alguma solução.’” 
 
PRECISÃO CIENTÍFICA
“É preciso tomar algumas liberdades, porque o nosso filme não chega a ter duas horas de duração. Como não há muito tempo, tivemos que resumir algumas partes da história e abrir mão de alguns detalhes. O que Steven e eu queríamos desde o início é que tudo o que colocássemos no filme fosse cientificamente possível. Há momentos em que fazemos as coisas acontecer mais rápido do que aconteceriam no mundo real. Mas os morcegos que dão origem ao vírus no filme são morcegos reais, o tempo que a doença leva para manifestar seus sintomas e provocar a morte é compatível com o de doenças reais.”
“O fato de o filme ser cientificamente preciso o torna mais forte. Pelo menos é isso que eu espero. Há várias razões para fazer um filme. Uma delas foi essa: criar um filme que é assustador não por usar truques cinematográficos, mas por não ter truque nenhum – por mostrar coisas que podem acontecer. Contágio mostra que calamidades enormes podem surgir no mundo real, a partir de hábitos do dia-a-dia.”
 
CONSULTORIA
“Quem indicou Ian Lipkin foi Larry Brilliant, um epidemiologista muito famoso com quem conversei logo no início de minha pesquisa. Perguntei a ele quem poderia falar sobre a maneira como os vírus surgem na natureza, e Lipkin foi a primeira indicação dele. Quando entrei no escritório de Lipkin em 2009 e disse que queria fazer Contágio, a primeira coisa que ele me perguntou foi se iríamos fazer mais um desses filme de Hollywood que não levam a ciência a sério. Na mesma hora eu disse que não, e eu e Steven assumimos o compromisso de fazer um filme cientificamente preciso. Foi nossa abordagem que fez com que ele aderisse ao projeto desde o início.” 
 
GRIPE SUÍNA
“Começamos a trabalhar no filme muito antes da epidemia de gripe suína. Estava no meio do roteiro quando a notícia surgiu, e isso permitiu que eu visse como o mundo reage a uma pandemia real. Há aspectos políticos, sociais, econômicos. Ver todos eles se manifestarem na realidade fez com que a história ganhasse densidade.”
“Foi muito estranho, pois algumas coisas sobre as quais eu havia escrito começaram a acontecer de verdade. Houve até um momento em que pensei que seria melhor desistir do filme. Eu senti que, caso aquela pandemia fosse tão letal quanto as pessoas imaginavam, o clima não seria apropriado para lançarmos um filme como esse. Felizmente, não houve tantas mortes. Acabou sendo mais uma etapa crucial da nossa pesquisa.”
 
MENSAGEM
“O governo pode ser bom ou ruim. Uma das suas principais funções em uma situação como essa é impedir que as pessoas entrem em pânico com o noticiário, e o filme mostra como isso é difícil. Com as redes sociais, um boato ou uma informação mal intencionada pode se espalhar mais rápido que um vírus.”
“Os Estados Unidos estão passando por dificuldades econômicas e, quando o governo começa a cortar gastos, o trabalho de organizações como o CDC pode ser comprometido. Isso diminuiria nossa vigilância em relação a novas doenças contagiosas. Para mim, isso é mais assustador do que qualquer coisa que mostramos no filme. Quando estabelecermos nossas prioridades de gastos, talvez esse não seja um lugar em que devêssemos tentar economizar. As consequências de um erro de cálculo nessa área podem ser extremamente profundas.”
“O filme também é uma maneira de mostrar a importância dessas organizações. As epidemias são algo com que as pessoas não se preocupam até que elas estejam fora de controle, e aí já é tarde. É preciso avaliar o risco antes que elas ocorram.”
“Eu espero que o filme ensine um pouco sobre como as pessoas devem se comportar nesse tipo de situação. As pessoas falam muito pouco sobre saúde pública. Se eu estou doente, talvez eu não devesse ir ao trabalho naquele dia e transmitir a doença aos meus colegas. Se o meu país oferece uma estrutura capaz de dar vacinas à população, eu deveria vacinar meus filhos – não só para que eles não adoeçam, mas para que outras crianças também não sejam infectadas. Em uma sociedade tão globalizada, com pessoas que atravessam continentes em aviões todos os dias, temos responsabilidades para com os outros. Devemos manter a saúde coletiva. Isso faz parte do convívio humano.”
“Se o filme não fosse cientificamente correto, ele não seria capaz de transmitir essas lições. Quando faço um filme, espero que as pessoas aprendam algo com isso. Há alguns anos trabalhei em Uma verdade inconveniente, de Al Gore. Também é, de certa forma, um filme de terror sobre coisas que podem acontecer – e estão acontecendo – no mundo real.”

Contágio - Trailer 1 (legendado) [HD] http://www.youtube.com/watch?v=u-eGomOPITc
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REPORTAGEM POR : DANILO VENTICINQUE
Fonte: Revista ÉPOCA on line, 21/10/2011

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