sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Fúria no trânsito

LAURA LOPES*

Associar o carro à sua própria identidade
gera motoristas violentos, diz estudo

Pateta na pele de Sr. Wheeler, o homem mau no trânsito (Foto: Disney/Reprodução)

Alguém reconhece a imagem acima? Os mais jovens talvez não a compreendam, mas trata-se de um quadro clássico do Pateta, personagem da Disney. O Sr. Walker (pedestre) se transforma no Sr. Wheeler (de "wheel", roda em inglês) quando entra em seu carro, evidenciando uma personalidade violenta e egoísta, contrária de quando era pedestre (assista ao vídeo no fim da reportagem).
Muitas pessoas já encontraram diversos Srs. Wheelers no trânsito, principalmente nas grandes cidades. Eles dirigem de forma irresponsável e agressiva e provocam, senão acidentes, grandes sustos. Por isso, Ayalla Ruvio, pesquisadora da Escola Fox de Administração da Temple University, na Filadélfia, resolveu estudar esse comportamento violento a partir da experiência de consumo, ou seja, de ser dono de um bem durável (automóvel). Ela demonstrou que quem vê o carro como uma extensão de si mesmo tem tendências mais agressivas na direção.
"Direção agressiva: uma experiência de consumo", publicado no Journal of Psychology & Marketing, é o primeiro artigo científico a examinar como a personalidade, a atitude e os valores contribuem para o comportamento agressivo dos motoristas. Esse tipo de condução é responsável por um terço dos acidentes que envolvem lesões corporais e dois terços de todos os acidentes fatais nos Estados Unidos.
 "Nós sabíamos que os homens tendem a ser mais agresssivos na direção e a ver seus carros como uma extensão deles mesmos, muito mais que as mulheres", afirma Ayalla. Então, ela usou o resultado de dois estudos realizados em Israel como base para o seu. Os trabalhos estudaram 134 e 298 pessoas, respectivamente, sob o aspecto da personalidade, valores, atração de risco, impulsividade, a direção como uma atividade hedonista, entre outros.
O cruzamento de dados revelou que as pessoas que veem seu carro como um reflexo de suas identidades são mais capazes de ser agressivas na direção e infringir as leis de trânsito. Isso se repete com aquelas com tendências compulsivas. A pesquisa também revelou que o aumento da importância dada ao automóvel está ligado ao aumento da direção agressiva. Os jovens, que estão formando sua identidade, podem sentir mais necessidade de mostrar seus carros e seus dotes na direção que os demais. Eles também podem ter uma autoconfiança exagerada e subestimar os riscos que envolvem a direção imprudente. Mas não é só a sensação de posse ou a imaturidade que levam a um mau comportamento no trânsito: estar sob pressão ou perdendo hora também. E quem admite esse tipo de comportamento também admite se envolver em mais episódios de violação da lei.
Essas descobertas sugerem que a percepção do carro como uma extensão de si mesmo leva à agressividade em vez de uma maior cautela na direção. As pessoas podem considerar que seus carros e o espaço que eles ocupam na estrada ou na rua são seus territórios. Por isso, tentam manter o controle sobre eles, defendendo-os com todas as forças quando necessário. Exatamente como o Sr. Wheeler. Quem você é: Walker ou Wheeler?
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* Nasceu em São Paulo, tem 30 anos, adora as artes visuais e odeia ouvir qualquer barulhinho no cinema. Não consegue fazer listas de filmes, músicas, livros e artistas preferidos porque a produção cultural é infinita e constante – e a lista mudaria quase todos os dias.

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