Em
meados do século XIX, a americana Florence Hartley escreveu um
detalhado manual de etiqueta para damas, abordando todas as questões que
envolviam a vida das mulheres da época. Há cerca de vinte capítulos,
cada qual ensinando algo diferente: como se vestir, como se comportar em
hotéis, como agir em uma igreja, como tratar os criados, como flertar,
como pentear o cabelo, como escrever cartas, entre várias outras coisas.
Com uma
boa dose de humor e sensatez, Florence Hartley elegeu diversas regras de
conduta que, empregadas corretamente por uma mulher, transformariam-na
em uma legítima dama.
Em pleno século XXI, algumas dessas normas estão ultrapassadas. Outras, nem tanto.
Essa
flexibilidade pode ser provada a partir do capítulo em que Florence
elenca tudo o que uma mulher deve ter em mente se quiser dominar a arte
da conversação. De maneira delicada, sem ser esnobe ou pretensiosa – a
não ser no trecho da “legítima polidez cristã”, mas seria conveniente
deixar isso de lado –, Florence nos dá uma aula e tanto. Seguem os
principais ensinamentos:
→ A arte
da conversação consiste no exercício de duas belas qualidades: a
originalidade e a simpatia; e o importante é ser capaz tanto de
comunicar-se quanto te ouvir atentamente. A união é tão rara quanto
irresistível.
→ A menos
que esteja conversando com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, não se
deixe envolver por qualquer distração e concentre toda a sua atenção em
um mesmo indivíduo. Segundo Steele, uma única regra pode ser
estabelecida na arte da conversação: As pessoas devem falar a fim de
agradar os que as ouvem, não a si próprias. Isso as faria considerar se o
que falam é digno de ser ouvido, se há ou não espírito ou sensatez no
que estão prestes a dizer e se o conteúdo deve ou não ser adaptado de
acordo com o momento, o local e a pessoa a quem estão se dirigindo.
→ Seja
cuidadosa e evite abordar assuntos que façam referência direta a algum
evento ou a alguma circunstância que possa trazer desconforto ou
tristeza ao interlocutor; no caso de, sem ter a intenção, dar início a
um assunto que desagrada a pessoa com quem está falando, não o
interrompa abruptamente, e muito menos faça a descortesia de pedir
desculpas. Ao contrário, mude de assunto o mais rápido possível e não
demonstre ter notado qualquer agitação que seu comentário possa ter
causado.
→
Lembre-se que uma conversa jamais é sustentada por uma única pessoa; não
concentre a atenção completa em você, recusando ao seu interlocutor a
oportunidade de falar, e também evite o extremo oposto, que consiste no
silêncio total ou nas respostas monossilábicas.
→ Se a
pessoa com quem estiver falando relatar algum acontecimento, não a
interrompa abruptamente com questões. Se não compreender algo da
narrativa, espere até que a termine e faça as perguntas que desejar.
→ É
extremamente indelicado e pedante fazer uso de palavras ou expressões em
francês, a não ser quando se está convicta que seu interlocutor está
familiarizado com a linguagem; e, ainda assim, o melhor seria evitá-las.
Acima de qualquer coisa, procure não fazer uso de frases de efeito em
linguagem que desconhece. Temos como exemplo uma dama que costumava
declarar sem mais nem menos um belo provérbio espanhol; ela havia
decorado aquela única frase. Em certa ocasião, um cavalheiro cubano,
encantado ao conhecer uma americana capaz de conversar com ele em sua
própria linguagem, imediatamente dirigiu-se a ela em espanhol.
Constrangida, a dama foi obrigada a confessar que seu conhecimento da
língua espanhola se limitava àquela frase.
→ Nunca
antecipe o final de uma piada ou de qualquer anedota contada em sua
presença. Ainda que conheça o final da história, ela pode ser nova aos
demais e o narrador possui o direito de terminá-la em suas próprias
palavras.
→ Nunca
humilhe uma pessoa corrigindo, na frente de outros, erros de
pronunciação ou de gramática. Se a intimidade permitir, dirija-se a ela
em particular; ou apenas deixe passar.
→ Jamais
tente denegrir uma amiga ausente. É o ápice da perversidade. Se outros a
prezam e você não, deixe que mantenham suas opiniões em paz. Quando
tentamos caluniar alguém, o mais provável é que falhemos em tal tarefa e
conquistemos para nós mesmas a reputação de uma pessoa má e invejosa.
→ Evite
mencionar assuntos e incidentes que possam enojar seus ouvintes. Muitos
fazem questão de abordar detalhes de doenças que devem ser mencionadas
apenas quando necessário, ou descrever cenas desagradáveis. A alusão a
esse tipo de assunto é indelicada; não apenas entediante, mas
repugnante.
→ Não
posso dizer o quão odiável é o hábito de fazer uso de frases maliciosas;
não se trata apenas de indecência, e sim de grosseria. Se você por
acaso se aproximar de alguém malicioso, não dê a entender – por meio de
palavras, olhares ou sinais – que compreende o significado verdadeiro do
que está sendo dito; além, é claro, do significado literal.
→ Jamais
repita a uma pessoa qualquer discurso desagradável que possa ter ouvido
sobre ela. Se você for capaz de agradá-la ao repetir um elogio gracioso
ou um comentário agradável, faça-o, mas evite magoá-la ou envolvê-la em
uma briga a partir da repetição de observações maldosas.
→ Para
ser capaz de dominar a arte da conversação, você deve ler muito, guardar
em sua memória as pérolas de suas leituras, ter uma mente rápida, estar
atualizada dos acontecimentos e adquirir o máximo de conhecimento; mas
também é necessário o mínimo de tato. Quero dizer, não é conveniente nem
delicado conversar sobre assuntos muito complexos com pessoas menos
escolarizadas do que você – é sinal de má educação, pois resultará em
uma boa dose de tédio ou constrangimento ao interlocutor e nada
adicionará em sua popularidade.
→ Evite
cuidadosamente qualquer alusão à idade ou aos defeitos tanto de seu
interlocutor quanto de qualquer pessoa presente no ambiente onde estão.
Tome um cuidado especial ao referir-se a algum desconhecido. Conheço uma
dama que inquiriu a um cavalheiro, “quem poderia ser aquela criatura
ridícula de vestido azul” e recebeu imediatamente a informação de que a
criatura em questão era a irmã mais velha do rapaz.
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* Camila Nogueira, nossa correspondente de literatura, tem a
impressionante capacidade de ler romances de 600 páginas em dois dias --
e depois citar frases inteiras da obra. Com apenas 16 anos, ela já leu
as obras completas dos maiores mestres da literatura - como Balzac,
Dumas, Fitzgerald e Dickens.
Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-arte-da-conversacao/14/07/2014
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