domingo, 6 de julho de 2014

O futebol, a cultura e a sociedade

 José Inácio Werneck*
 As seleções africanas ainda não chegaram às quartas de final e o futebol começa a ganhar terreno nos EUA
Na Copa do Mundo no Brasil, uma Copa de grandes emoções, dois assuntos um tanto ou quanto extra-campo chamam a atenção: a derrocada das seleções africanas e a reação dos meios conservadores nos Estados Unidos contra o que eles chamam “excessivo interesse” pelo futebol.

Comecemos pelos africanos. Há muitos anos, numa mesa-redonda de esporte, o locutor Luís Mendes disse que em breve os africanos iriam dominar o futebol no mundo e eu duvidei.

Não duvidei por racismo, mas por achar que o sucesso de qualquer equipe esportiva depende de coisas que vão bem além do valor individual de seus integrantes.

Luís Mendes certamente se baseava nas grandes qualidades de jogadores negros, dos quais Pelé era o maior exemplo, e no fato de que os clubes europeus começavam a contratar africanos.

Daí a prever que uma seleção só de africanos seria um sucesso foi um passo fácil.

Mas também um passo falso, pois as federações de futebol de países como a Nigéria, Gana, Camarões, Costa do Marfim e outras (como Togo no passado) são um reflexo dos governos destes países e das condições sociais e econômicas de seus povos.

Notem que estou falando de seleções dos chamados países sub-saarianos e portanto o desempenho bem mais eficiente de uma seleção do norte da África, como a argelina, não pode ser levado em consideração.

Os países sub-saarianos são um lamentável exemplo de desordem política, corrupção administrativa elevada à última potência e uma política econômica e social totalmente excludente.

O resultado é que a grande maioria da população vive na miséria enquanto caudilhos (os “war-lords”) e uma elite que defende com unhas e dentes os seus privilégios dividem entre si a riqueza nacional.

Os jogadores, acostumados a ganharem salários milionários em clubes ingleses, alemães, italianos, franceses, a serem tratados com consideração, a viverem em sociedades em que as coisas funcionam, rebelam-se quando tem que representar seus países e não conseguem receber nem salários nem premiações.

Vemos então exemplos como o governo de Gana despachar para o Brasil um avião com três milhões de dólares em dinheiro vivo para pagar jogadores que ameaçavam não entrar em campo. Vemos as greves de jogadores nigerianos e camaronenses se recusando a treinar e a suspeita de que jogadores de Camarões teriam se deixado corromper por um sindicato asiático de apostas em jogos de futebol.

Enquanto os governos destes países não melhorarem, suas federações de futebol serão também antros de desordem e corrupção. A esperança da África Negra de um dia ganhar uma Copa do Mundo continuará a esperar.

Nos Estados Unidos, vozes reacionárias como a da comentarista política Ann Coulter resolveram dizer que quem gosta de futebol (ou, como eles chamam, “soccer”) não é suficiente “patriota”.

Eles vêem no futebol uma perigosa influência estrangeira e de certa forma aliam o gosto pelo futebol com a imigração ilegal daqueles detestáveis “moreninhos” – os mexicanos.

Em tempos passados, os imigrantes europeus que chegavam aos Estados Unidos tratavam rapidamente de esquecer as tradições do “Velho Mundo” – entre elas o futebol – e achavam que a melhor maneira de serem acolhidos na nova terra era abraçar esportes como o beisebol e o Futebol Americano.

Os conservadores só vêem duas maneiras de olhar o resto do mundo: ou ignorá-lo, com uma política isolacionista, ou dominá-lo, através de guerras e invasões, impondo sua cultura, sua língua e seus esportes.

Daí a popularidade do beisebol em países que os americanos invadiram e ocuparam, como o Japão, Cuba, República Dominicana, Panamá, Venezuela e Colômbia (lembrem-se do Canal do Panamá, em terras que antes eram colombianas).

Mas as novas gerações de imigrantes, sobretudo os hispânicos, não apenas gostam de manter sua língua como seus esportes.

E hoje não somente estrangeiros que moram nos Estados Unidos ou emigraram para os Estados Unidos, mas até americanos que se consideram mais liberais e abertos ao mundo adotam o futebol como um esporte novo e excitante.

Um esporte em que os americanos não precisam ser necessariamente “excepcionais”, como os conservadores gostam de se intitular.
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José Inácio Werneck, jornalista e escritor, trabalhou no Jornal do Brasil e na BBC, em Londres. Colaborou com jornais brasileiros e estrangeiros. Cobriu Jogos Olímpicos e Copas do Mundo no exterior. Foi locutor, comentarista, colunista e supervisor da ESPN Internacional e ESPN do Brasil. Colabora com a Gazeta Esportiva. Escreveu Com Esperança no Coração sobre emigrantes brasileiros nos EUA e Sabor de Mar. É intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.
Direto da Redação é editado pelo jornalista Rui Martins. 05/07/2014

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