Mauro Santayana*
Vasta cobertura midiática aos “primeiros passos seguros do futuro
rei da Inglaterra” revela sociedade que, além de desigual, escorrega
para o ridículo
Por Mauro Santayana, em seu blog
O príncipe George, filho de Catherine Midleton e do príncipe William, da Inglaterra, completou ontem um ano de vida.
Segundo a agência France Presse “em comemoração à data, a coroa
britânica divulgou imagens exclusivas do menino de cabelo louro,
vestindo um macacão azul e uma camisa azul marinho”, registradas, há
alguns dias, em um museu londrino. “ao qual o duque e a duquesa de
Cambridge levaram seu filho para ver uma exposição sobre borboletas”. Em
uma das imagens George aparece andando, cena saudada como “Os primeiros
passos seguros do futuro rei da Inglaterra”, pelo Sunday Telegraph.
É triste. Mas devemos cumprir o doloroso dever de informar, que,
segundo um último balanço, também publicado ontem, 143 crianças
palestinas, 80 delas com menos de 12 anos de idade, não poderão ver as
borboletas do museu britânico, nem nenhuma outra que estiver voando por
aí, por terem perecido, segundo a Unicef, desde que começou a ofensiva
israelense na Faixa de Gaza.
Nem elas poderão fazê-lo, nem o pequeno bebê de onze meses, que
morreu no hospital, depois de ter ficado trinta e cinco horas,
soterrado, com sua família, sob um prédio em construção que desabou em
Aracaju.
A humanidade está – infelizmente – cada vez mais fútil. Incapazes de
revestir sua própria vida de maior interesse, enriquecendo-a com um
pouco de cultura, ou dos sentimentos de justiça e solidariedade, milhões
de pessoas mergulham no culto a “celebridades”, às vezes tão efêmeras e
descartáveis como lâminas de barbear, e acompanham suas peripécias
pelas publicações disponíveis nas salas de espera e nos salões de
cabeleireiro.
O pequeno príncipe britânico, herdeiro da opulência de um império que
cresceu pela exploração de dezenas de colônias e povos como os
indianos, ou os aborígenes canadenses e australianos, acaba de entrar na
lista – tão ridícula como absurda – das “dez crianças mais poderosas do
mundo”.
O pequeno sem-teto brasileiro, um mês mais novo que ele, morreu de
frio e inanição, no escuro, debaixo das ruínas do prédio em construção –
no qual sua família dormia por não ter outro lugar para ir – porque sua
mãe não conseguia se mover para aquecê-lo e amamentá-lo.
Os meios de comunicação noticiaram os dois fatos, cada um,
naturalmente, em sua correspondente seção. Uma, festiva, perto das notas
de variedades ou editoriais de moda. A outra, nas notícias de polícia,
ou de cidades, lamentando, como não poderia deixar de ser, o desabamento
do prédio e as vítimas do acidente de Aracaju.
Faltou alguém somar os dois meninos, e pensar, ao menos por um
segundo, em seus diferentes destinos. Perguntando-se, porque, em pleno
Século XXI, algumas crianças ainda nascem em suntuosos palácios,
enquanto outras continuam morrendo debaixo de bombas em Gaza, ou sob os
escombros de uma marquise, porque não tinham – como certo menino que
nasceu em uma manjedoura – outro lugar para se abrigar.
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* Jornalista
Fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=18041
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