Especialistas discutem escolhas que devem ser feitas por pacientes e pelos familiares de doentes terminais
Tema delicado, que inquieta e provoca desconforto entre a maioria das
pessoas, a fase final da vida estará em debate nesta terça-feira, no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. O painel Como e Onde Devemos Morrer
contará com participantes das áreas de medicina, bioética e literatura
para tratar de situações relacionadas à terminalidade, aos cuidados paliativos
e à difícil hora em que pacientes e familiares se veem forçados a tomar
decisões transformadoras, muitas delas definitivas, no decurso de uma
doença grave.
A ideia do evento, com entrada franca, é sugerir que o assunto seja abordado com mais naturalidade, para que todos tenham a chance de diluir suas resistências gradativamente e se antecipar a discussões que podem se mostrar impreteríveis em algum momento.
A ideia do evento, com entrada franca, é sugerir que o assunto seja abordado com mais naturalidade, para que todos tenham a chance de diluir suas resistências gradativamente e se antecipar a discussões que podem se mostrar impreteríveis em algum momento.
— A sociedade moderna mudou. Antigamente, a morte era natural. Hoje, é
considerada um acidente de percurso que não pode acontecer. Há
dificuldade para aceitar quando chega a hora — comenta Luiz Antônio Nasi,
professor do Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS) e superintendente médico do Hospital
Moinhos de Vento.
Nasi estará ao lado do chefe do Serviço de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, José Roberto Goldim, e da escritora Lya Luft. Apresentará aos participantes, para que opinem a respeito, o resumo de um caso real, ocorrido nos Estados Unidos: a família de um paciente internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), conectado a diversos aparelhos, é convocada pela equipe médica para discutir a possibilidade de abreviar o intenso sofrimento do doente.
Nasi estará ao lado do chefe do Serviço de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, José Roberto Goldim, e da escritora Lya Luft. Apresentará aos participantes, para que opinem a respeito, o resumo de um caso real, ocorrido nos Estados Unidos: a família de um paciente internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), conectado a diversos aparelhos, é convocada pela equipe médica para discutir a possibilidade de abreviar o intenso sofrimento do doente.
— É um tema cada vez mais presente no ambiente hospitalar. Temos
diversos recursos para prolongar a vida, como hemodiálise, respiradores e
tratamentos oncológicos, que em determinados casos se tornam medidas
fúteis e não trazem resultado significativo. O que se faz numa situação
de doença terminal, em que não há mais tratamento? Em geral, a gente não
entra nesse assunto, a não ser quando aparece — diz Nasi.
Goldim ressalta a importância de os profissionais auxiliarem as
famílias a digerir o impactante prognóstico de uma curta sobrevida. A
ideia da morte, salienta o professor de bioética, costuma estar envolta
em um sentimento de negação. Habituado a lidar com questões delicadas da
prática médica dentro do Clínicas, ele propõe tópicos para a reflexão:
— Como a gente faz o enfrentamento da morte? Como a família e o
paciente deparam com essa notícia? Como auxiliá-los no adequado
entendimento disso? Todo mundo se preocupa muito com a vida e não muito
com o viver. O viver inclui a qualidade de vida, tentar minorar o
sofrimento, conseguir enfrentar isso de forma madura, independentemente
da idade. Precisamos ajudar os pacientes a ter qualidade de vida mesmo
em um curto espaço.
Única participante leiga da mesa-redonda, a escritora Lya Luft elegeu
a morte como um tema recorrente em sua produção literária recente. Para
a autora santa-cruzense, não deve ser prolongado o uso de recursos
médicos extremos, a menos que haja uma boa possibilidade de o paciente
retomar uma rotina relativamente normal. Segundo Lya, é fundamental que o
doente não sofra nos instantes finais e, se possível, tenha a chance de
passá-los dentro da própria casa, e não em um hospital.
— O ideal seria cada um morrer no seu ambiente, rodeado dos seus
cheiros, dos seus lençóis, com a voz das suas pessoas, o som dos passos
da família no corredor, podendo ver um pedacinho de céu — afirma.
Conversa franca para encarar o prognóstico de curta sobrevida
Diante do inescapável de uma morte anunciada, a única saída é tentar
minimizar o despedaçamento emocional que causa a separação de um
familiar ou amigo.
Não há receita para se neutralizar a dor, mas existem sugestões para se enfrentar o inevitável com menos estragos.
A diretora de relações institucionais da Associação Brasileira de
Mulheres Médicas (ABMM), Nise Yamaguchi, diz que nunca se "está
preparado para morrer", ou aceitar o passamento de um afeto. No entanto,
pondera que uma "boa vida pode levar a uma boa morte". Se a pessoa
aproveitou intensamente, não deixou mágoas e se organizou para o momento
final, a travessia será menos traumática.
— Se houve oportunidade para elaborar a situação, conversar, a
família irá lidar melhor com a separação — observa Nise, especializada
em oncologia, imunologia e medicina paliativa.
Ex-presidente da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos (ABCP),
Nise diz que a "morte é parte da vida". Todos estão próximos das
perdas, inclusive crianças que se despedem de avós. É o curso normal da
existência.
Há lenitivos para aceitar o luto. Nise informa que uma crença
espiritual facilita a transição. Outra providência necessária é
tranquilizar o moribundo sobre o futuro dos que ficarão. Dizer que
eventuais pendências serão resolvidas e que os parentes tentarão se
entender em torno da herança.
— Dá tranquilidade para quem vai e para quem fica — assegura a diretora da ABMM.
Acertar contas é necessário
O médico psiquiatra e psicanalista Edgar Chagas Diefenthaeler
recomenda franqueza e espontaneidade nos momentos finais. Diz que os
familiares devem conversar abertamente com quem está à beira da morte,
para reforçar o vínculo afetivo.
— O grande temor de quem está para morrer é ser esquecido. Na medida
em que pode conversar, o doente se sente ajudado, acompanhado — ressalta
Edgar, professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade
Católica (PUCRS).
Autor de artigos científicos sobre o assunto, o psiquiatra diz que o
condenado deve ser ouvido sobre os seus receios, sem interrupções, para
que possa se manifestar. Também não deve ser tratado como uma criança,
com diminutivos e de forma ingênua, mas conforme a sua personalidade.
— O momento exige franqueza de parte dos familiares. Quem está
prestes a morrer fica mais desconfiado ainda — diz o médico, integrante
da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA).
A maioria evita, mas Edgar acha que despedidas também valem para um
acerto final de contas, queixar-se de atos passados, limpar as gavetas. É
confortante para quem parte, também para os que permanecem.
— É importante fazer as pazes. O amor verdadeiro suporta a raiva — destaca.
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Reportagem por por Larissa Roso e Nilson Mariano
Fonte: ZH online, 29/07/2014
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