terça-feira, 8 de julho de 2014

Tempero da palavra é o silêncio

 Alfredo J. Gonçalves*
 
No terreno fecundo do silêncio nasce, cresce e matura a Palavra. Não as palavras, no plural e com letra minúscula, constituídas não raro por um palavreado oco, vazio e estridente, sem qualquer conteúdo. Mas a Palavra, no singular e com letra maiúscula, aquela que traz consigo um sentido vivo, criativo e libertador. Por isso é que pouco ou nada tem a dizer quem se revela incapaz de silenciar. Quantas vezes quem não sabe o que dizer põe-se, sem mais nem por que, a falar! Limitar-se-á a imitar a si mesmo ou aos outros, reciclando as palavras ao invés de recriá-las. Bem diz o ditado popular que "quem não reflete se repete”. Somente será capaz de dizer algo novo e verdadeiro quem é igualmente capaz de calar e ouvir. O sábio ensina a desconfiar de quem fala demais e o coração aflito e desesperado sabe que muito diz quem pouco fala. O silêncio, quando não fruto de um mutismo encerrado sobre si mesmo, costuma ser mais eloquente que todo vão palavrório.

Três aspectos formam uma conditio sine qua non para que a preparação da terra onde o silêncio revela toda a fertilidade da Palavra: parar, repousar e silenciar. De fato, quem não é capaz de parar, tampouco será capaz de dar novos passos. Sem um discernimento contínuo e apropriado, atropela-se a si mesmo e aos demais. Vive multiplicando repetidamente os próprios passos ou os passos alheios, sem dar-se conta que estes, muitas vezes, não passam de atalhos equivocados. Claro que é mais fácil caminhar sempre, mover-se a todo custo, correr em qualquer direção e fazer muitas coisas. Fazer, fazer, fazer... coisas, coisas, coisas... A sociedade moderna e pós-moderna, marcada pela revolução tecnológica e informática, nos impele cotidianamente a isso: produção, produtividade, consumo e ativismo. Difícil é fazer uma parada para reflexão, avaliação e renovação do próprio caminhar. Mas uma coisa é certa: nenhum carro chegará ao próprio destino se não estiver disposto a parar nos postos de abastecimento. Eis o ponto: parar, abastecer para prosseguir a viagem.

Vale o mesmo para o conceito de repousar. No contexto atual da economia globalizado e do mundo em "agitação febril”, repousar parece um luxo desnecessário e até mesmo inútil. O importante é acumular fatos e feitos, estar sempre em movimento, aparentar ação. Não poucas vezes, porém, um momento de repouso, para avaliação e retomada, pode trazer maior e melhor benefício que horas, dias e mesmo meses de atividade sem descanso. O verdadeiro repouso, como sabemos, tem raízes bíblicas. Diz o Livro do Gênesis que Deus fez o mundo em seis dias e, no sétimo, descansou. Daí a tradição do sábado ou domingo, Dia do Senhor, não um tempo para ser desperdiçado, mas para "demorar-se extasiados com aquele que sabemos que nos ama”, como lembra Santa Teresa D’Ávila. Somente uma boa parada e um bom repouso nos proporciona o equilíbrio necessário para tomar novamente o trabalho. Novas e difíceis decisões nos esperam! É preciso estar em paz consigo mesmo e com os outros para tomar resoluções acertadas.

Chegamos, por fim, à necessidade de silenciar. Parar, repousar, silenciar são reflexos de um mesmo e único espelho. Espelho de dupla dimensão, cuja imagem retorna sobre nós mesmos e nos interpela: ao mesmo tempo que mostra nossas imperfeições, debilidades e fraquezas, também aponta nossas energias e potencialidades, bem como nossa vontade de acertar. É justamente nesse confronto entre as erros e falhas, perguntas e dúvidas, de um lado, e o firme desejo de superá-las, de outro, que se engendram palavras temperadas pelo condimento do silêncio. As únicas que, implícita ou explicitamente, conduzem à Palavra e que, por isso mesmo, trazem a força e a mística de vida nova, de criatividade e de libertação. As únicas dignas de serem ditas e ouvidas, penetrando profundamente no coração, na alma e nas entranhas mais íntimas ocultas de nosso ser.

Akureyri. Islândia, 3 de julho de 2014
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* Padre. Assessor das Pastorais Sociais
Fonte: Adital online, 07/07/2014
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