domingo, 27 de julho de 2014

A FÓRMULA das cidades

ENTREVISTA GEOFFREY WEST

Por meio da matemática, o físico Geoffrey West diz que as propriedades das cidades – a riqueza, a taxa de criminalidade, a mobilidade e muitos outros aspectos – podem ser deduzidas a partir de um único número: a população. Ao comparar os conglomerados urbanos com organismos vivos, o próximo palestrante do ciclo Fronteiras do Pensamento afirma que as soluções para os problemas dos grandes centros encontram-se neles próprios. West deposita nas ideias inovadoras, nas redes sociais e nas lideranças técnico-políticas a confiança para um mundo mais sustentável.

O senhor costuma dizer que os problemas encontrados nas cidades são também suas próprias soluções. Onde está o ponto de virada?

Geoffrey West – Os problemas encontrados nas cidades de todos os lugares são os mesmos. Saúde, poluição, água, energia, recursos naturais. São todos problemas ligados à mudança de clima, que se originam no comportamento e no consumo de quem vive nas cidades, porque nossa presença é o que gera esses impactos. As cidades têm os problemas e também as soluções porque é nelas que as pessoas vivem. É lá que estão as pessoas mais espertas e inovadoras para resolver essas questões. Os problemas e as soluções estão juntos, e o desafio é como achar as soluções certas. Há muitos problemas ligados à condição das pessoas que vivem na pobreza, nas favelas, com degradação. Isso também é uma grande questão ligada com o futuro do planeta. E a solução se encontra nas ideias inovadoras.

Se as cidades são manifestações físicas das interações humanas, o que nós, como sociedade, podemos fazer pela melhoria da nossa saúde coletiva?

West – Primeiro de tudo, uma das coisas mais interessantes das cidades é que, enquanto geramos os impactos, geramos ao mesmo tempo as alternativas de resposta. A grande questão é que temos um crescimento exponencial da população. Somos 7 bilhões de pessoas vivendo nas cidades. Nos anos 2050, seremos 10 bilhões de pessoas no planeta. Como as pessoas podem melhorar a qualidade de sua própria vida é uma grande questão. O maior desafio é saber como poderemos manter toda essa população em nosso planeta vivendo com qualidade. Eu moro nos Estados Unidos, onde temos alto padrão de vida. Mas o que acontece no Brasil, Zimbábue, Austrália, impacta a nossa vida aqui no Novo México, onde vivo, em Santa Fé. Nós estamos todos conectados, gostemos ou não.

O senhor disse que a inovação traz a solução para os problemas das cidades. Que tipos de ideias novas podem salvar o sistema urbano de um colapso? As irreverentes têm mais chance de prosperar?

West – As cidades devem facilitar as interações humanas e as redes sociais entre as pessoas. Ideias loucas, inovadoras, costumam colocar as pessoas juntas, em maior interação. Isso pode estimular ideias empreendedoras. Mas as interações sociais podem trazer coisas ruins também – doenças, violências, crime. Outra coisa que acontece nas grandes cidades é a vida em comunidade. Não é preciso sair muito de um bairro para comprar itens como gasolina, comida. Quero dizer, pode-se usar a força e a infraestrutura da comunidade. Isso fortalece o desenvolvimento. Por isso as cidades continuam crescendo rápido, porque têm espaço para tudo. O desafio mundial é fazer isso de uma forma legal. A gente precisa buscar a inovação na mesma velocidade para manter o nível de qualidade elevado para todos – o que seria a tal sustentabilidade do planeta.

O senhor fala nas interações humanas dentro da cidade, mas o desenvolvimento acelerado, o trânsito, cada um em um carro, morando em apartamentos, não cria isolamento entre as pessoas?

West – Muitas pessoas ficam isoladas nas grandes cidades. Por isso a administração municipal é um grande desafio para o mundo inteiro. Como fazer as interações sociais, como fomentá-las, como melhorar as relações nas redes sociais. As pessoas ficarem mais isoladas é uma tendência dos grandes centros, que é combatida pela revolução de tecnologia de informação. As redes de internet podem ajudar a resolver isso.

O senhor criou uma fórmula que associa o ritmo da vida biológica com o tamanho das cidades. Essa equação do crescimento urbano poderia ser usada pelos governantes em um contexto real?

West – Sim, essa é a ideia. Se você quer lidar com os problemas das cidades, precisa entender as cidades. Não há como resolver sem entender. É importante conhecer a dinâmica do crescimento. Desenvolvi uma fórmula matemática para as cidades em que você pode fazer previsões médias para as questões de crescimento de acordo com a população. No Instituto Santa Fé, onde trabalho, discutimos como aplicar essa fórmula na nossa cidade e traduzir essa lógica para resolver os problemas de nossa cidade. Estamos discutindo a questão por enquanto. Uma cidade de 1,5 milhões de pessoas tem quase a mesma dinâmica de uma cidade com 10 milhões de pessoas, porque elas são fundamentadas nas interações sociais, nas redes e na infraestrutura. Quem vier à palestra em Porto Alegre vai entender mais sobre isso.

O ritmo da vida urbana aumenta com o tamanho da cidade, em contraste com o ritmo da vida biológica. Cidades e florestas têm ritmos de vida inversamente proporcionais?

West – Sim. O ponto é que, na biologia, quanto maior você é, mais devagar as coisas acontecem. O tempo se torna mais longo. Animais vivem mais quanto maiores são. A sistemática previsível vai mais devagar de acordo com o ritmo de vida, com o tempo e a escala de crescimento. Tudo isso nós discutimos nas dinâmicas físicas e nas redes de vida. Nas cidades, temos o efeito oposto, quanto maior a cidade, maior o ritmo da cidade. Nós estamos em uma cidade, as pessoas caminham rápido, as transações são rápidas, sentimos que o ritmo é mais veloz. Temos esses dois efeitos contrários, não é inversamente proporcional, mas o efeito é controverso. A vida biológica é mais lenta do que a vida nas cidades.

Em artigo publicado pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, o senhor diz que cidades são como entidades biológicas: consomem energia e devolvem artefatos, informações e resíduos. Onde está o ponto de equilíbrio de um ecossistema urbano?

West – As cidades são como organismos vivos. Elas crescem, desenvolvem, metabolizam e usam informação e energia. Mas têm diferenças e é isso o que quero discutir – o ritmo de vida é mais rápido e produz diferentes efeitos. Em organismos nós temos o que se chama economia de escala. Quanto maior você é, menos energia você precisa. Só que o que acontece nas cidades é que em vez de precisar menos per capita – menos estradas, menos estações de gasolina, menos infraestrutura em geral – você precisa mais per capita. Quanto maior você é, mais interativo e atraente você se torna. As cidades grandes têm mais boates, shoppings, lugares legais, mas isso tem um preço, que é ter mais crime, poluição, doenças. Não há um nível ótimo. Essa é a grande questão do século, o crescimento em aberto e o quanto ele pode ser suportado.

O que faz com que metrópoles de diferentes partes do mundo tenham regras que se repetem apesar das diferenças culturais ou socioeconômicas?

West – Uma das coisas que descobrimos é que, em todos os lugares no mundo, as regras praticadas nas redes sociais são parecidas. Os dados coletados nessas redes mostram isso. Redes sociais nos fornecem as escalas certas para medir essas informações. Reflexo das redes universais são as ideias contidas nos discursos das pessoas ao redor do mundo, e elas são parecidas. Ha certas coisas que são genéricas e outras que transcendem as culturas, a geografia e as leis locais. Há características que são do homem em sua natureza, apesar da superficialidade das aparências. No final das contas, nós somos todos um. O ser humano se parece muito.

Como essas regras podem ser utilizadas para frear os impactos da superpopulação? Na sua opinião, o que estará diferente quando dobrar a população mundial?

West – As regras emergem das interações humanas. A questão é: a gente poderá ter uma vida mais desenvolvida dentro de anos com o crescimento da população? Podemos barrar o ciclo das pessoas e das redes sociais? Uma grande revolução seria necessária em termos de relacionamento interpessoal, cultural e com o ambiente para essas mudanças significativas poderem barrar os impactos da superpopulação. Não podemos esperar apenas das ciências, temos que depositar mais esperança nas lideranças políticas. Essa mudança só irá acontecer se tivermos lideranças políticas que irão modificar as ciências. Essa mudança será encampada por líderes que quebrem paradigmas. Tudo precisa continuar crescendo, em nível local e das cidades. O problema é político. As pessoas nas cidades são as fontes de todos os problemas, mas são também as soluções. É nas cidades que as soluções são desenhadas e levadas à pratica. É nas cidades que a sustentabilidade global acontece e começa a tomar forma.
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Reportagem POR LARA ELY | lara.ely@zerohora.com.br
Fonte: ZH online, 27/07/2014
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