Alberto Carlos Almeida*
O sucesso da Copa realizada no Brasil foi enorme. Quem disse isso, para aqueles que consideram que "santo de casa não faz milagres", foram os estrangeiros - a imprensa internacional, os jogadores das mais diversas seleções, autoridades públicas de outros países. Um dos mais interessantes depoimentos foi de Simon Kuper, em artigo originalmente publicado no prestigioso jornal de negócios "Financial Times". Kuper é coautor de um livro sobre futebol de enorme sucesso, "Soccernomics", e acompanha pessoalmente as Copas desde 1990. Quanto a isto, ele afirmou: "Das sete Copas do Mundo a que assisti desde 1990, esta é a melhor".
Vale utilizar as palavras do próprio Kuper acerca dos motivos que o levaram a considerar esta a melhor Copa nos últimos 24 anos: "O primeiro elemento é o futebol ofensivo. Quando faltavam dez partidas para o final da Copa no Brasil, o número de gols marcados já havia superado o das Copas de 2006 e 2010. O segundo motivo para que a atual Copa funcione é o Brasil. Em parte, é o sol quente. Quando você passa sua primeira tarde de folga em 20 dias caminhando por Copacabana, percebe que uma praia de primeira linha deveria ser elemento compulsório em todas as futuras Copas do Mundo, da mesma forma que estádios de primeira linha".
O mais interessante é o terceiro elemento elencado por Kuper: os brasileiros. Diz ele: "Se você vive em Paris, é uma sensação desconcertante visitar um país onde quase todo mundo é agradável. A realidade é que os brasileiros vêm me oferecendo um curso de um mês sobre como administrar a raiva".
O Brasil é o lugar perfeito para sediar uma Copa. Quando a Alemanha sedia uma Copa, a Itália fica com inveja. Quando a França sedia uma Copa, são os britânicos que sofrem. Quando os espanhóis sediam uma Copa, os portugueses se sentem diminuídos. O Brasil está fora das disputas europeias. O Brasil é um tertius acima das disputas entre países que têm um histórico secular de disputas e conflitos.
Além disso, somos um país de imigrantes, que, por isso (mas não só), recebemos bem todos os estrangeiros. Sabemos que o solo brasileiro não tem um dono milenar, não é o solo francófilo ou germânico. Alguém que nasce em solo alemão, filho de pai estrangeiro e mãe alemã não é considerado cidadão alemão, precisa solicitar isso ao Estado quando atinge a maioridade. No Brasil, é como nos Estados Unidos: nasceu no solo brasileiro, é brasileiro. Isso tem tudo a ver com receber bem quem vem de fora. Somos feitos por pessoas que vieram de fora, não tem como os estrangeiros não gostarem de nós.
A única desvantagem, para nós, em sediar uma Copa é que provavelmente não a venceremos. Aconteceu isso em 1950, aconteceu isso agora, e de uma forma muito desagradável. Não é fácil para a seleção brasileira jogar em casa. A pressão é muito grande, somente a vitória é o resultado aceitável. Essa responsabilidade irrevogável ficou clara na disputa de pênaltis contra o Chile e no jogo contra a Alemanha. Creio que se ambas as situações tivessem acontecido fora do Brasil, o desfecho teria sido outro. Talvez tivéssemos derrotado o Chile no tempo normal, talvez até tivéssemos ganho da Alemanha, ou ao menos perdido por pouco.
Propor que o Brasil seja sede de uma nova Copa do Mundo, daqui a 24 ou 32 anos, é ir contra nosso complexo de vira-latas. É assumir que somos melhores do que os outros, não somente no futebol, mas também na arte de bem receber as pessoas e de ser bons anfitriões. Foi agora, no Brasil, que duas seleções sul-americanas chegaram a uma semifinal. A última vez que isso tinha acontecido foi em 1970, no México. O futebol mundial, graças à Fifa e também um pouco ao nosso complexo de vira-latas, que nos faz baixar a cabeça e a não reconhecer nossos méritos, está cada vez mais eurocêntrico. Há muito mais seleções europeias na Copa do Mundo do que times sul-americanos.
Vieram agora para o Brasil as seleções da Bósnia-Herzegovina e da Croácia, que sequer passaram da primeira fase. Os grandes do passado recente, Espanha e Itália, também não foram para as oitavas de final. Por outro lado, o Uruguai, que foi para a segunda fase da Copa, só conseguiu se classificar nas eliminatórias por causa da chance que teve na repescagem. É muito injusto. É óbvio que o predomínio de seleções europeias em semifinais tem a ver com a quantidade de seleções daquele continente habilitadas a ir para a Copa.
Se o Brasil e os brasileiros tivessem uma autoestima um pouco maior, poderiam se tornar líderes mundiais para uma mudança na Fifa que abrisse mais espaço para seleções sul-americanas e de outros continentes. Pode ser que, em um futuro próximo, isso seja possível graças a uma aliança entre o Brasil e os Estados Unidos. Isso irá depender do fortalecimento do futebol nos Estados Unidos, a ponto de colocar a seleção daquele país junto aos líderes mundiais. Nós, brasileiros, entramos com o país do futebol; eles, americanos, entram com uma imensa população de consumidores e, consequentemente, recursos financeiros de fazer inveja ao futebol europeu.
Lamento que a derrota para a Alemanha esteja sendo aproveitada por todo tipo de argumento oportunista, que busca no caráter nacional as razões para a tragédia. Houve quem dissesse que foi a vitória da competência sobre a malandragem. Absolutamente patético. Quem referenda esse tipo de argumento esquece que há pouco tempo, entre 1994 e 2002, estivemos em três finais de Copa do Mundo. Esquece também que vencemos cinco vezes fora de casa, o que, cá entre nós, não é para qualquer um. Está longe o dia em que seremos considerados incompetentes no futebol, e em muitos outros campos.
O Brasil avançou em inúmeras áreas, temos uma economia complexa e diversificada, um sistema financeiro forte e sadio, instituições políticas sólidas e que geram resultados concretos no que diz respeito à melhoria de vida da população. De 1994 para cá, combatemos com sucesso a inflação, o desemprego, a desigualdade de renda. Além disso tudo, e foi o que a Copa do Mundo veio mostrar para nós mesmos, somos um povo querido e amado pelos estrangeiros. Eles ficaram admirados pela nossa forma de viver e encarar as coisas.
Temos problemas como todo país tem. Mas ninguém pode dizer que estamos varrendo tais problemas para debaixo do tapete. A melhor forma de encará-los com sucesso é, antes de tudo, reconhecermos nosso sucesso. O Brasil não é o país do futuro, é o país do presente, ainda que estes dias tenham nos reservado a derrota vexaminosa para a Alemanha. Faz parte da vida, é raro, mas acontece. Como se diz em uma famosa música: levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima. Vamos, sim, nos candidatar, em breve, para sediar novamente uma Copa do Mundo. E vamos acreditar que venceremos. Afinal, nada funciona mais do que o "Vai Brasil!" O Brasil sempre vai!"
Agradeço a meu filho Gabriel por ter me incentivado a escrever este artigo e também por ter sistematizado os dados que mostram o predomínio europeu nas Copas do Mundo da Fifa.
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* Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".
alberto.almeida@institutoanalise.com
www.twitter.com/albertoalmeida
FONTE: Valor Econômico online, 11/07/2014
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