A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro Jesuíta de Cidadania e Ação Social/Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CJCIAS/CEPAT e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.
Sumário
1. Das limitações às evidências de Thomas Piketty sobre a desigualdade mundial
2. O debate sobre a desigualdade social no Brasil
2.1 O otimismo dos discursos sobre a redução da desigualdade no país
2.2 Brasil, um país menos desigual ou mais polarizado?
3. Há alternativas para a desigualdade mundial?
4. Conjuntura da Semana em frases
2. O debate sobre a desigualdade social no Brasil
2.1 O otimismo dos discursos sobre a redução da desigualdade no país
2.2 Brasil, um país menos desigual ou mais polarizado?
3. Há alternativas para a desigualdade mundial?
4. Conjuntura da Semana em frases
Eis a análise.
O debate sobre a desigualdade social no Brasil não pode ser visto
desassociado do contexto das desigualdades mundiais, caso contrário
corre-se o risco de cair nas armadilhas das análises rasteiras, que não
dão conta ou simplesmente não querem entender o problema da desigualdade
de forma mais ampla, no âmbito da globalização do pensamento único
neoliberal, que tem moldado as formas de organização política, econômica
e social no mundo. Nesse sentido, o boom do livro O Capital no século XXI, do economista francês Thomas Piketty, salvo as críticas, tem sido um excelente instrumento para aquecer um debate tão importante como este.
1. Das limitações às evidências de Thomas Piketty sobre a desigualdade mundial
Em uma das análises da conjuntura realizada em maio, ‘O Capital no século XXI’: O desmonte das teses liberais e da economia neoclássica, destacou-se a centralidade do debate sobre o aumento da desigualdade econômica no mundo, a partir da obra O Capital no século XXI, do economista francês Thomas Piketty.
Em consonância com a percepção coletiva de muitos movimentos sociais espalhados pelo mundo, as contribuições de Piketty só vieram reforçar a evidência de que a distância entre ricos e pobres chegou a um nível inaceitável.
É bom lembrar que o próprio Movimento Occupy,
em 2011, já havia apontado que o “capitalismo não está mais
funcionando”. Não sendo exagero dizer que “a questão das desigualdades
está no centro dos debates políticos e econômicos na Europa, nos Estados
Unidos e até nas economias emergentes”, daí o fascinante sucesso da
obra de Thomas Piketty.
Após a febre inicial em torno da obra do economista francês, que angariou elogios de economistas progressistas de peso, como Joseph Stiglitz e Paul Krugman,
ambos prêmios Nobel de Economia, além do reconhecimento de economistas
conservadores, que a consideraram inovadora, vieram as críticas.
Entre as análiese, destaca-se, por exemplo, a do geógrafo marxista David Harvey, que considera as reflexões de Piketty
oportunas e brilhantes, mas sem deixar de ser contundente em sua
crítica: “não conte com ele para compreender a dinâmica central do
sistema”. Para Harvey, Piketty conta
com uma definição equivocada de capital, pois “capital é um processo,
não uma coisa. É um processo de circulação no qual o dinheiro é usado
para fazer mais dinheiro, frequentemente – mas não exclusivamente – por
meio da exploração da força de trabalho”. No entanto, “Piketty
define capital como o estoque de todos os ativos em mãos de
particulares, empresas e governos que podem ser negociados no mercado –
não importa se estão sendo usados ou não”. Ora, “dinheiro, terra,
imóveis, fábricas e equipamentos que não estão sendo usados
produtivamente não são capital. Se é alta a taxa de retorno sobre o
capital que está sendo usado, é porque uma parte do capital foi retirado
de circulação”. Nesse raciocínio, uma das fragilidades da argumentação
de Piketty está em não relacionar o capital com a produção ou o processo de valorização no sistema capitalista.
Para o economista francês François Chesnais, grande crítico do neoliberalismo, a proposta de Piketty
em introduzir um imposto mundial sobre a riqueza é totalmente inviável.
“A lista de problemas do capitalismo atual é muito mais abrangente e
inclui queda na taxa de lucro global, crescimento da concentração
industrial e avanço no grau de monopolização”.
Afora as limitações analíticas expostas, bem como outras que podem ser cabíveis, o fato é que Thomas Piketty
faz lembrar que a desigualdade social não é um acidente, mas uma
característica inerente ao capitalismo. É o sistema funcionando
normalmente. Em relação a isso, parece não haver discordâncias entre os
que debatem com ele. E para isso os números ajudam muito. Segundo o
conservador The Economist,
hoje 1% da população tem 43% dos ativos do mundo. Os 10% mais ricos
detém 83%. Analisando a evolução de 30 países, durante 300 anos, de 1700
até 2012, percebe-se que a produção anual cresceu em média 1,6%. Ao
contrário, o rendimento do capital foi de 4 a 5%”.
A obra de Piketty, ao evidenciar um grande
aceleramento nos níveis de desigualdade do mundo, desafia a narrativa de
centro-esquerda, particularmente da social-democracia que acreditou que
o liberalismo poderia coexistir com a distribuição de renda. Pensando
no Brasil, coloca em alerta os prognósticos ou a sensação de que se vive
um momento de maior justiça social, com distribuição de renda. Como
avaliar o debate sobre a desigualdade em um país fascinado com o aumento
na capacidade de consumo das camadas populares, mas com tamanha
concentração de renda?
2. O debate sobre a desigualdade social no Brasil
Na arena do debate sobre a desigualdade no Brasil, existem diferentes
análises, principalmente em relação às políticas de enfrentamento mais
recentes, aplicadas nos últimos 12 anos. Para alguns analistas, em
especial aqueles ligados ao governo, há uma defesa das mesmas como
referência internacional para a diminuição da desigualdade e para
mudança no quadro social e econômico nacional, enquanto, por outro lado,
existem aqueles que criticam os resultados desse suposto enfrentamento.
2.1 O otimismo dos discursos sobre a redução da desigualdade no país
Dentro da perspectiva otimista frente às políticas voltadas à redução
da desigualdade no Brasil, os números trazidos se voltam,
principalmente, para os avanços na escolarização da população, o
crescimento da renda do conjunto da população, a estabilidade do
crescimento inclusivo brasileiro e as conquistas dos programas sociais,
em especial o Bolsa Família.
Para Ricardo Paes de Barros, um dos idealizadores do programa Bolsa Família
e atual secretário de Ações Estratégicas do Governo Federal, a queda da
desigualdade perdeu fôlego recentemente, todavia sua aposta é de que a
tendência ainda é de redução de concentração de renda, principalmente,
por conta do atual aumento da escolaridade da população.
“A gente fala muito em Bolsa Família, mas na verdade
a principal razão para a queda na desigualdade nos últimos dez anos é
que nós ficamos menos desiguais em termos de capital humano. Ou seja, lá
em 2002, 2003, a desigualdade de educação no Brasil começa a cair e o
retorno da educação (o diferencial entre os salários dos mais e menos
qualificados) despenca. (...) Então, o que acontece - o capital humano
no Brasil passa a ficar melhor distribuído e, mais do que isso, o preço
desse capital humano começa a despencar. E quase metade da queda de
desigualdade do Brasil vem disso”, defende.
Diferentemente da análise feita por Piketty, Paes de Barros
não acredita que no Brasil seja o momento adequado para aumentar a
carga tributária dos mais ricos, como caminho para reduzir a
desigualdade “Os países ricos veem uma desigualdade crescente, a gente
vê uma desigualdade declinante. Eles estão preocupados com a
distribuição funcional da renda entre capital e trabalho, e a gente está
ainda preocupado com questões mais básicas como a desigualdade de renda
entre os trabalhadores”.
Dessa maneira, pontua que é sabido que na medida em que o rico paga
proporcionalmente menos imposto que o pobre, isso aumenta a
desigualdade. Entretanto, o problema brasileiro não estaria na questão
do nível da carga tributária, mas de ajustes da mesma: “Do jeito que
está (o sistema tributário) é irracional. Não atende ao interesse de
ninguém - nem de trabalhadores, nem de empresários, nem do governo”,
completa.
Também muito otimista, Marcelo Neri, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE/PR) e professor da EPGE/FGV,
aponta que a redução da desigualdade se deu pelo crescimento de renda
do conjunto de pessoas e pela estabilidade do crescimento inclusivo
brasileiro.
Para Harvey, Piketty conta
com uma definição equivocada de capital, pois “capital é um processo,
não uma coisa. É um processo de circulação no qual o dinheiro é usado
para fazer mais dinheiro, frequentemente – mas não exclusivamente – por
meio da exploração da força de trabalho”. No entanto, “Piketty
define capital como o estoque de todos os ativos em mãos de
particulares, empresas e governos que podem ser negociados no mercado –
não importa se estão sendo usados ou não”. Ora, “dinheiro, terra,
imóveis, fábricas e equipamentos que não estão sendo usados
produtivamente não são capital. Se é alta a taxa de retorno sobre o
capital que está sendo usado, é porque uma parte do capital foi retirado
de circulação”.
Segundo os dados que apresenta, a desigualdade aumentou em dois
terços dos países, enquanto que, nos dois últimos censos brasileiros, a
desigualdade caiu em 80% dos municípios. “Depois de 10 anos de queda
ininterrupta, a desigualdade, segundo o Gini, se manteve praticamente estabilizada entre as Pnads 2011 e 2012, passando de 0,527 para 0,526. Esta estabilidade é consistente com os dados da PME nos mesmos períodos. A desigualdade volta a cair fortemente a partir de abril de 2013. A queda de quase 10 pontos de Gini nos últimos 12 anos, sob qualquer comparação, é espetacular”, afirma.
Nesse período de 12 anos, ao comparar-se o crescimento anual de renda
individual (3,06%), observa-se uma queda da desigualdade horizontal,
pois cresce a renda de grupos tradicionalmente excluídos como os negros
(4,4,%, analfabetos (5,8%) e os da periferia (4,4,%).
Outros dados que reiteram o combate à desigualdade no país são trazidos por uma publicação da Agência PT de Notícias, em uma reportagem publicada por Victoria Almeida, que aponta, entre outros índices, que o programa Bolsa Família,
além de contribuir para a diminuição da desigualdade, acarreta
consequências positivas em outros setores estratégicos, como a saúde e a
educação.
Contrapondo as críticas feitas ao montante de recursos destinados a pessoas atendidas pelo Bolsa Família
e ilustrando a concentração de renda no país, a publicação contrapõe os
valores do programa àquele detido pelas 15 famílias mais ricas do país.
Estas detêm um patrimônio equivalente a R$ 270 bilhões, o que
representa quase o dobro do recurso destinado a 50 milhões de pessoas
atendidas pelo programa, que, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), nos últimos 11 anos, contou com um investimento de 137,3 bilhões.
Segundo o estudo “A Década Inclusiva”, publicado em 2012 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o programa Bolsa Família
é o terceiro fator que mais influenciou na redução das desigualdades
sociais no país, ficando atrás apenas da renda adquirida por meio do
trabalho e da Previdência Social.
“De acordo com o MDS, o auxílio do programa Bolsa Família
às populações de baixa renda possibilitou a redução de 19,4% do índice
de mortalidade infantil de crianças de até cinco anos. Ainda no âmbito
de saúde, houve redução de 46,3% de mortes infantis por diarreia e 58,2%
por desnutrição”, conforme aponta a publicação. Além disso, “no último
bimestre de 2013, por exemplo, a média de aprovação de estudantes
inclusos no programa foi de 96%.”, acrescenta.
Por fim, os dados recentes tem mostrado que, ao contrário do que se
poderia acreditar, os beneficiários não se encontram estagnados
socialmente, pois, segundo o Planalto, 75,4% dos assistidos pelo programa estão empregados. Além disso, eles representam 10% dos 3,8 milhões de Microempreendedores Individuais (MEI), espalhados pelo Brasil.
2.2 Brasil, um país menos desigual ou mais polarizado?
Apesar desse entusiasmo frente à queda da desigualdade no país, há
diversas críticas que destacam, principalmente, a ausência de dados
concretos e confiáveis para sua constatação, o fator da permanência da
grande concentração de renda nas mãos de poucos no país, a falta de
medidas na área fiscal, entre outros, além da constatação de que, na
verdade, caminhamos para uma sociedade cada vez mais polarizada.
Clovis Rossi, jornalista, argumenta que os dados apontados por Sergei Soares e Marcelo Neri,
ambos com atuação dentro de instâncias do governo federal, não são
factíveis pelo fato de que são obtidos através de uma falsa declaração
dos mais ricos. “O único estudo que mostra a queda da desigualdade (a
partir de 1995, portanto, no governo Fernando Henrique Cardoso) é a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), do IBGE.
Os pesquisadores perguntam a renda da família. Quem vive só de trabalho
ou de outro rendimento fixo diz o que ganha. Quem, além do salário ou
de rendimento fixo, recebe proventos advindos de aplicações financeiras
omite essa parte da renda. Ou por mero esquecimento, portanto de boa-fé,
ou por medo (do fisco, de sequestro, do que seja)”, afirma.
Desse modo, ainda é temerária, e não científica, qualquer afirmação
sobre a desigualdade, seja em relação à sua diminuição, aumento ou
estabilidade. Todavia, há sim um índice que pode apontar para o fato de
que ela teria aumentado: “para os 40 milhões de beneficiários do Bolsa Família, o governo destina não mais do que 0,5% do PIB a cada ano. (...) Já os poucos milhões que recebem o ‘Bolsa Juros’ levam no mínimo, quatro vezes mais, como em 2009, o ano em que os juros representaram 2% do PIB”, acrescenta.
Segundo o
conservador The Economist,
hoje 1% da população tem 43% dos ativos do mundo.
Os 10% mais ricos
detém 83%. Analisando a evolução de 30 países, durante 300 anos, de 1700
até 2012, percebe-se que a produção anual cresceu em média 1,6%. Ao
contrário, o rendimento do capital foi de 4 a 5%”.
Denise Neumann, em artigo publicado pelo jornal Valor,
também aponta para a questão da taxa de juros e a ausência de dados
confiáveis. Ela enfatiza que mesmo com a queda da desigualdade de renda
no Brasil, no século XXI, não houve alteração na parcela que o 1% mais
rico da população detém. “Essa diferença entre crescimento da renda e
consequente queda da desigualdade está relacionada com o aumento do
salário, os programas de transferência de renda, queda da inflação e
também com a redução da taxa de juros”, mas, para uma análise mais
refinada faltam dados sobre a posse de bens (riqueza), “por isso as
análises sobre concentração e desigualdade no país são medidas pela
renda e por dados censitários, em que o erro superestimado ou
subestimado são um complicador para obtenção de dados confiáveis”.
Neumann argumenta que, com a mudança política de
queda mais acentuada da taxa de juros, “o recrudescimento da inflação
começou a agir na contramão da redução da desigualdade, pois pune
justamente a população de menor renda. Isso porque essa população não
tem excedente de recurso para poupar e os juros encarecem o consumo
feito a crédito e a inflação reduz o poder de compra”.
Na análise de Mônica Baumgarten de Bolle, da Galanto Consultoria, apresentada por Neumann,
a renda do trabalho cresceu no país muito em razão dos aumentos dos
salários mínimos, todavia acrescenta que "essa situação, entretanto, não
é sustentável (...) quando os salários crescem acima da produtividade
da economia, a redução temporária da desigualdade começa a ser corroída
pela alta inflacionária”. Assim, de acordo com a economista, as
políticas públicas que causam a espiral “salário-preços” podem
"interromper o processo auspicioso de ganhos de renda e inclusão social
que o país viveu".
Paralelamente a esse contexto, soma-se o fator de que como a redução
de juros tentada pelo governo não foi acompanhada por outras medidas (em
especial na área fiscal), ela impulsionou a inflação, o que levou o
governo a reverter o curso da política monetária. Assim é preciso rever a
equação que permitiu, em outro momento, a queda da desigualdade.
O fator da taxa de juros, aliada ao tamanho da dívida pública, também é apresentado por Tânia Bacelar de Araujo.
A economista apresenta que um índice incide proporcionalmente no outro
de maneira que, as consequências são positivas para aqueles quem tem
excedente financeiro e péssimo para a maioria da população. Situação da
qual o Brasil ainda não se viu livre e que corrobora para o fato de que,
mesmo com as melhoras observadas nos últimos anos (com a queda de sete
posições no ranking dos países mais desiguais), o país ainda se encontre
hoje entre os dez mais desiguais do planeta.
Por fim, a análise do economista e político brasileiro Márcio Pochmann
que, ao avaliar as políticas públicas que favorecem a ascensão
econômica de uma parcela da população, sem a garantia de incorporação
dessas pessoas à classe média, aponta para a tendência a uma polarização
da sociedade.
O economista avalia que a transição de uma classe trabalhadora para
uma classe média assalariada se deve aos fatores do crescimento do setor
de serviços com base em baixos salários e queda do setor industrial na
participação do PIB. Segundo ele, o que se tem
observado no país, desde a primeira década deste século, é uma “difusão
de empregos não vinculados à indústria, mas aos serviços – pessoais,
sociais, de distribuição –, cujo emprego é de menor qualidade do que
aquele vislumbrado na indústria. Tanto é que dos 22 milhões de empregos
que o Brasil gerou, 95% são relacionados à faixa de até dois salários
mínimos mensais”.
Há, então, um mito em torno da ideia que a classe média está se
expandindo. Na realidade, há uma tendência para a polarização entre
ricos e uma “classe trabalhadora mais alargada, submetida a empregos
precários, com baixos salários, maior informalidade, maior flexibilidade
nas contratações”.
Segundo ele, essa polarização se deve ao fato de que o emprego de
classe média, que atualmente tem se descolado dos países europeus e das
Américas para a Ásia, tem se comprimido, de maneira que temos avançado
para o fortalecimento dos muito ricos, que vêm crescendo e indicando o
aumento da desigualdade.
Pochmann aponta que não é possível uma transição da
classe trabalhadora para a classe média sem uma mudança na estrutura
produtiva, e isso depende de ações mais abrangentes do que as ocorridas
até o momento (ligadas ao novo sindicalismo dos anos 1970, com
crescimento dos salários de acordo com a produtividade mais a inflação,
melhora nas políticas de renda e assim uma ampliação ao acesso ao
consumo, melhora de renda e empreso), mas que não significaram mudança
de valores e nem a alteração dos serviços.
O economista elogia a mobilidade social conquistada no país e a
implementação de políticas públicas focadas em grupos que pareciam
intangíveis até então. Esse segmento passou a ter acesso ao emprego,
programas de capacitação, fato que indica uma inversão nas prioridades
do Estado brasileiro. Contudo, não se pode esquecer que essa ascensão
social também tem suas contradições, derivadas da falência das grandes
cidades brasileiras, da ausência de investimentos público para a
mobilidade social a partir das décadas de 1980 e 90.
Assim, apesar do conjunto de programas de políticas públicas
aplicadas nos últimos anos, que incluíram mais pessoas nos programas
sociais, há uma série de contradições que precisam ser revistas. Ele
menciona o Programa Minha Casa, Minha Vida, que
possibilita a construção da casa própria, mas que todavia são feitas em
áreas que não vêm acompanhadas de serviços públicos, transporte, áreas
de lazer, postos de saúde e escolas.
Apesar das críticas, o economista tem uma visão positiva em relação à
diminuição da desigualdade: “Há um ambiente internacional desfavorável,
mas o Brasil dá passos firmes no sentido de evitar o aumento da pobreza
e da desigualdade como estamos vendo nos países ricos”. Contudo,
acrescenta que “a desigualdade da propriedade é muito maior do que essa
desigualdade que medimos através do fluxo de renda do trabalho ou de
benefícios de políticas públicas que é capturado pelo IBGE. Então, se considerarmos outras fontes de renda que não a do trabalho, é possível perceber melhor as desigualdades”.
Como se pode perceber, o Brasil não está fora das tempestades do
sistema econômico mundial, muito menos está livre da cartilha neoliberal
por desenvolver programas sociais de transferência de renda. Pelo
contrário, eles só reforçam o modus operandi da ação estatal em
subserviência aos interesses do capital financeiro, gerando uma
importante demanda de novos consumidores.
3. Há alternativas para a desigualdade mundial?
Diante das evidências de que o mundo se torna cada vez mais desigual,
as análises se dividem entre os que não veem mais saídas a partir do
marco do sistema capitalista e aqueles que ainda ousam pensar saídas e
propor alternativas. Um dos grandes impasses atuais é a forte
financeirização do mundo, que assumiu formas estrambólicas, com intenso
impacto no modo como a economia mundial, atualmente, organiza-se.
Para o economista brasileiro Luiz Gonzaga Belluzzo,
hoje há um acumpliciamento global das instituições financeiras com a
política de interesses. Nesse sentido, elas “necessitam do apoio de
condições institucionais e legais construídas sob o domínio doutrinário e
ideológico do establishment, para não falar escancarada cumplicidade
financeira dos parlamentos e dos tribunais. Sem esses apoios cruciais
não podem adestrar seus músculos na disputa pela partilha da riqueza em
todos os rincões do planeta”.
A análise de Belluzzo ultrapassa os limites circunscritos à economia ao buscar em Michel Foucault
a compreensão mais ampla dos rastros neoliberais na vida em sociedade.
Para o pensador francês, “o neoliberalismo é uma ‘prática de governo’ na
sociedade contemporânea. O credo neoliberal não pretende suprimir a
ação do Estado, mas, sim, ‘introduzir a regulação do mercado como
princípio regulador da sociedade’”. Nesse sentido, “trata-se de fazer do
mercado, da concorrência e, por consequência da empresa, o que
poderíamos chamar de ‘poder enformador da sociedade’”.
E pode haver saídas para essa absolutização dos dogmas neoliberais,
enraizados nas formas de convívio e organização da vida em sociedade, no
momento atual? Para intelectuais como o antropólogo David Graeber,
parece que não. Em sua análise, “o período em que o capitalismo pareceu
capaz de garantir uma prosperidade ampla foi também, precisamente, o
período no qual os capitalistas se viram como sendo não os únicos atores
em jogo: foi quando eles enfrentaram um rival mundial no bloco
soviético, os movimentos revolucionários anticapitalistas do Uruguai à
China e, pelo menos, a possibilidade de rebeliões por parte dos
trabalhadores locais".
Para Graeber, “o que aconteceu na Europa ocidental e
na América do Norte entre aproximadamente 1917 e 1975 – quando o
capitalismo criou, de fato, um crescimento alto e uma desigualdade menor
– foi algo como uma anomalia histórica”. Mas, e agora? “Desde a década
de 1970, na medida em que as ameaças políticas significativas
diminuíram, as coisas voltaram ao seu estado normal: ou seja, a
desigualdades selvagens, com os míseros 1% presidindo uma ordem social
marcada por uma crescente estagnação social, econômica e mesmo
tecnológica”. Sendo assim, o antropólogo é terminante: “Se quisermos uma
alternativa à estagnação, ao empobrecimento e à devastação ecológica,
vamos precisar encontrar uma forma de desligar a máquina e começar de
novo”.
Já para o economista francês e padre jesuíta, Gaël Giraud,
“o aumento das desigualdades provoca a desumanização: a miséria afunda
os mais pobres num inferno e a ultrarriqueza isola os mais ricos num
gueto separado do resto da humanidade, em pânico de perderem o seu
conforto, incapazes de participar de um projeto histórico e político que
ultrapasse as dimensões que são próximas da sua vida de luxo. Praticar a
justiça é uma libertação não somente das vítimas como também dos
carrascos”.
Gaël Giraud não faz parte do time dos pessimistas,
em sua opinião, “as soluções existem. O que falta é a vontade política”.
“Essa falta se deve ao fato de que grande parte dos políticos nos
governos, na Europa, nos Estados Unidos, no Japão, provém de classes
favorecidas, que não têm interesse na reforma financeira de modo a
reduzir as desigualdades e assegurar a prosperidade de todos”.
O que, então, propõe Giraud? “Se queremos sair do
servilismo, temos de sair do neoliberalismo”. É necessário romper com a
lógica dos mercados financeiros e “é preciso colocar o Banco Central sob o controle de um poder político democrático”, pois atualmente obedece apenas aos interesses do setor bancário privado.
Além disso, é crucial passar a considerar “a importância vital da
energia e das matérias naturais nas nossas economias”. Os recursos
naturais não são infinitos e para que seja garantido um mínimo vital
para todos, é fundamental “que o conjunto dos países ricos (onde se
inclui o Brasil) ponha em prática, de modo voluntário, a transição
energética: a passagem de uma economia essencialmente fundada sobre as
energias fósseis (gás, carvão, petróleo) para outros tipos de energia
(renováveis)”.
Sendo assim, o verdadeiro problema atual é o de abandonar o fascínio
pelas finanças, desafio não compreendido pela social-democracia
ocidental, e garantir as bases para que ocorra uma autêntica transição
energética, pois “a transição ecológica é inseparável de uma transição
social”. O êxito está em romper com o monopólio da riqueza nas mãos de
uma minoria, que dela se serve “para destruir o ambiente e esgotar os
nossos recursos”.
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Fonte: IHU online, 21/07/2014
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