Paulo Nogueira*
O homem sábio basta a si mesmo. É um pensamento ao qual
constantemente se agarram diversas escolas de filosofia ocidentais. A
solidão é um caminho para sabedoria. E no entanto vivemos num mundo em
que a introspeção parece uma praga da qual todos fugimos. A solidão como
que embaraça e envergonha. Tente se lembrar de uma campanha
publicitária baseada em alguém só. Ou de um filme americano em que o
personagem na solidão não seja um atormentado.
As tradições orientais, do taoísmo ao hinduísmo, também sublinham a
solidão como uma etapa indispensável para o autoconhecimento. Na China e
no Japão antigos, os homens poderosos se recolhiam à solidão monástica
no final da vida em busca da elevação espiritual. Cícero resumiu isso
assim: “Quem depende apenas de si mesmo e em si mesmo coloca tudo tem
todas as condições de ser feliz”.
Arthur Schopenhauer, o grande pensador alemão do século 19, se deteve
longamente neste tema, o da solidão. No final de sua vida, morava em
Frankfurt na companhia de Atma, seu cão poodle. Tinha poucos amigos e
jamais se casou. Mais que pregar a reclusão, ele a praticou. E os ecos
de sua voz se ouvem em múltiplos lugares. Movimentos como o
existencialismo e artistas como Tolstói, Proust e Wagner sofreram
intensa influência da voz pessimista, ou simplesmente realista, de
Schopenhauer. Todo homem digno, segundo ele, é retraído. “O que faz dos
homens seres sociáveis é a sua incapacidade de suportar a solidão e,
nesta, a si mesmos.”
As pessoas retraídas, numa cultura que supervaloriza a tagarelice
vazia e a “desenvoltura” social, podem sentir-se diferentes das outras, e
para pior. Se lerem Schopenhauer, terão uma outra visão de si próprios,
fracamente mais positiva. Numa obra já da maturidade, Aforismos para a
Sabedoria de Vida (Martins Fontes), ele produziu reflexões memoráveis
sobre a convivência entre as pessoas.
Não há doçura nessas reflexões, não há indulgência e nem modos
polidos, mas uma agudeza mordaz que ao mesmo tempo incomoda e encanta.
“A chamada boa sociedade nos obriga a demonstrar uma paciência sem
limites com qualquer insensatez, loucura, absurdo. Os méritos pessoais
devem mendigar perdão ou se ocultar, pois a superioridade intelectual
fere por sua mera existência. Eis por que a sociedade, chamada de boa,
tem não só a desvantagem de pôr-nos em contato com homens que não
podemos amar nem louvar, mas também a de não permitir que sejamos nós
mesmos, de acordo com a nossa natureza. Antes, nos obriga a nos
encolhermos ou a nos desfigurarmos. Discursos ou idéias espirituosas, na
sociedade ordinária, são francamente odiados.”
Schopenhauer exagera? É possível. Ele tinha um estilo veemente de
expor suas idéias. Mas reflita com calma sobre a passagem acima. Tire o
que possa parecer exagerado. Faz sentido ou não? Você pode concordar com
Schopenhauer ou discordar. Amá-lo ou odiá-lo. O que não dá é para não
reconhecer a força colossal duradoura de seus pensamentos.
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* O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
Imagem: Nighthawks, de Hopper
Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-elogio-da-solidao-2/
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