"El capitalismo es una religión sólo de culto: sin dogmas ni moral". Nuestro sistema es incapaz de crear empleo y reparte injustamente la riqueza y los ingresos"
Hace casi cien años, Walter Benjamin redactó una nota titulada “Capitalismo como religión”: el capitalismo funge religiosamente
porque se presenta como “experiencia de la totalidad”. Pero es una
religión sólo de culto: sin dogmas ni moral. Ese culto se lleva a cabo
mediante el consumo, empalmando con la tesis marxiana de la mercancía
convertida en fetiche mientras al trabajador se le convierte en
mercancía. Es además una religión de culto continuo en la que todos los
días son “de precepto”. Y de un culto culpabilizador (en alemán Schuld
significa a la vez deuda y culpa: por eso, según Benjamin, vivir con una
deuda equivale a vivir con una culpa. Curiosamente en el arameo de
Jesús sucedía algo parecido: la palabra schabq significa a la vez el
perdón de los pecados y la remisión de las deudas).
2.- Toda religión tiene un dios. Hacia 1936,
Keynes, en su Teoría general del empleo, el interés y el dinero, habló
del dinero como dios: todas las funciones que antaño desempeñaba Dios
las desempeña hoy el dinero. Keynes subraya que no habla simplemente de
la riqueza sino del dinero contante y sonante (la liquidez), que permite
la disponibilidad inmediata y la especulación. Ese dinero: a) da
seguridad y garantiza el futuro: valen de él aquellas palabras del
salmista: “te amo, Señor, tú eres mi roca, mi fortaleza”. b) Da
seguridad porque es todopoderoso y omnipresente: no hay nada que no
pueda conseguirse sin él Finalmente c) el dinero es fecundo: en el
capitalismo financiero el dinero ya no se usa como medio para crear
riqueza sino que él mismo produce más dinero: “especular resulta
entonces más lucrativo que invertir” (por eso los Bancos ya no dan
créditos). A todo ello podríamos añadir d) que hoy que el dinero también
es invisible, como Dios, a pesar de su poder y su omnipresencia.
Resumiendo: si el dinero es el último punto de referencia, bien se puede
hablar de él como “el ser necesario” (clásico término metafísico para
designar a Dios).
3.- Todo eso pone de relieve la no-neutralidad del dinero
que ya no es un mero instrumento práctico de intercambio, como pretenden
los teóricos neoliberales. Plantea además una pregunta muy
seria sobre la legitimidad del préstamo a interés, cuya historia tiene
tres etapas: a) Tanto en la Biblia como en el mundo grecolatino era
considerado inmoral: Aristóteles calificaba la usura como el más bajo de
los vicios, comparándola al proxenetismo que aprovecha la necesidad del
otro para el enriquecimiento propio. Si pido prestado un kilo de
patatas no es lícito que me obliguen a devolver kilo y medio. ¿Por qué
habría de ser lícito si pido dinero en vez de patatas?
b) En los albores del capitalismo, el dinero se convierte en una ocasión para crear riqueza:
si te presto un dinero evito comprarme con él un campo que podría
cultivar, o montar una pequeña industria. En ese sentido el préstamo me
priva de un beneficio y parece legítimo que, al devolverlo, se me dé
alguna compensación por esa ganancia perdida.
c) Con la economía especulativa financiera, la cosa vuelve a cambiar:
el dinero ya no es una oportunidad para que yo cree riqueza, sino que
él mismo es fecundo: con menos riesgos y con porcentajes de ganancia más
altos. Eso será una gran mentira, pero “funciona” hasta que estalle la
crisis. Pues bien: así como, en los comienzos del primer capitalismo no
se vio que el préstamo a interés cambiaba de significado y siguieron
prohibiendo, así ahora tampoco se ve que, en el capitalismo financiero,
el interés vuelve a cambiar de significado, y se lo sigue permitiendo.
Según la tesis de Benjamin del capitalismo como religión de culpa, ahora
el interés viene a ser respecto del préstamo lo que es la penitencia
respecto de la culpa.
Dejemos ese problema para el futuro y volvamos a Keynes.
De lo antedicho deduce él que nuestro sistema tiene dos grandes
defectos: es incapaz de crear empleo y reparte injustamente la riqueza y
los ingresos. ¿Dos defectos o dos desautorizaciones totales?.
4.- Todo lo antedicho nadie lo percibió con tanta claridad como Lutero, cuando ya iba amaneciendo el capitalismo.
Creer en Dios es confiar en Él, pero nosotros hemos sustituido la
confianza por el culto: confiamos nuestro futuro al dinero, y a Dios le
hacemos procesiones y templos que “no llegan hasta el cielo”. Por eso,
en su Gran Catecismo, Lutero trata del dinero al comentar no el séptimo
mandamiento sino el primero: porque el dinero es “el ídolo más común en
la tierra”. Según Lutero, la comunidad cristiana debería ser un ámbito
donde no rigen las leyes de la economía monetaria. Los cristianos
deberían manifestar al Dios verdadero con su conducta en cuestiones
económicas. Por eso añade: “siempre he dicho que los cristianos somos
gente rara en la tierra”. Pero esa rareza permite comprender que la
frase de Jesús (“no podéis servir a Dios y al dinero”) tiene una
traducción laica bien clara: no podéis servir al hombre y al dinero.
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Texto de: José I. González-Faus sj
Fonte: http://blogs.periodistadigital.com/miradas-cristianas.php/2014/07/25/el-dinero-como-dios
TRADUÇÃO DO TEXTO EM ESPANHOL.
Eis ao artigo.
Há quase cem anos, Walter Benjamin escreveu um artigo intitulado “Capitalismo como religião”: o capitalismo atua religiosamente porque se apresenta como uma “experiência da totalidade”. Contudo é uma religião apenas de culto: sem dogmas nem moral. Esse culto é realizado mediante o consumo, integrado a tese marxista da mercadoria convertida em fetiche enquanto o trabalhador é convertido em mercadoria. Também é uma religião de culto contínuo, no qual todos os dias são “de preceito”. E de um culto de culpa (em alemão Schuld significa tanto dívida como culpa: por isso, de acordo com Benjamin, viver com uma dívida equivale a viver com uma culpa. Curiosamente no aramaico de Jesus acontecia algo parecido: a palavra schabq significava perdão dos pecados e a remissão das dívidas).
1 – Toda religião tem um deus. Por volta de 1936, Keynes em sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro, falou do dinheiro como deus: todas as funções que eram então desempenhadas por Deus são desempenhadas hoje pelo dinheiro. Keynes destaca que não se trata simplesmente da riqueza, mas do dinheiro duro e frio (a liquidez), que permite a disponibilidade imediata e a especulação. Esse dinheiro:
a) dá segurança e garante o futuro: equivalem aquelas palavras salmistas: “te amo, Senhor, Tu és minha rocha, minha fortaleza”.
b) dá segurança porque é o todo-poderoso e onipresente: não se pode conseguir nada sem ele. Finalmente,
c) o dinheiro é fecundo: no capitalismo financeiro o dinheiro já não é usado como meio para criar riqueza, mas ele mesmo produz mais dinheiro: “especular se torna então mais lucrativo que investir” (por isso os Bancos já não dão créditos).
E, a tudo isso poderíamos acrescentar:
d) que hoje em dia o dinheiro também é invisível, como Deus, apesar de seu poder e onipresença. Resumindo: se o dinheiro é o último ponto de referência, também se pode falar dele como “o ser necessário” (clássico termo metafísico para designar a Deus).
2 – Tudo isso coloca em destaque a não neutralidade do dinheiro, que já não é um mero instrumento prático de intercâmbio, como querem os teóricos neoliberais. Também levanta uma questão muito séria em relação à legitimidade do empréstimo a juros, cuja história tem três etapas:
a) Tanto na Bíblia quando no mundo Greco-romano era considerado imoral: Aristóteles qualificava a usura como o mais baixo dos vícios, comparando-a ao proxenetismo que aproveita a necessidade do outro para o enriquecimento próprio. Ao pedir emprestado um quilo de batatas não é justo que obriguem a me devolver um quilo e meio. Por que haveria de ser lícito se peço dinheiro ao invés de batatas?
b) No alvorecer do capitalismo, o dinheiro torna-se uma oportunidade para criar riqueza: se te empresto um dinheiro evito de comprar com ele um campo onde poderia cultivar, ou montar uma pequena indústria. Nesse sentido, o empréstimo me priva de um benefício e parece legítimo que, ao devolvê-lo, me dê alguma compensação pelo lucro perdido.
c) Com a economia especulativa financeira, a coisa volta a mudar: o dinheiro já não é uma oportunidade para que eu crie, mas ele mesmo é fecundo: com menos riscos e com porcentagens de lucros mais altas. Isso pode ser uma grande mentira, mas “funciona” até que se instale a crise. Pois bem: assim como, no início do primeiro capitalismo não se viu que o empréstimo a juros mudaria de modo significado, de forma que continuaram o proibindo; agora nem se vê que, no capitalismo financeiro, os juros voltam a mudar de significado, e continua-se o permitindo. Segundo a tese de Benjamin sobre o capitalismo como religião de culpa, agora o juros se relacionam com o empréstimo, o que é a penitência em relação à culpa.
Deixemos esse problema para o futuro e voltemos a Keynes. Do que foi dito anteriormente deduz-se que o nosso sistema tem dois grandes efeitos: é incapaz de criar emprego e reparte injustamente a riqueza e os lucros. Dois efeitos ou duas desautorizações totais?
4 – Tudo o que foi dito anteriormente nada foi percebido com tanta clareza como o fez Lutero, quando já havia amanhecido o capitalismo. Acreditar em Deus é confiar Nele, mas nós temos substituído a confiança pelo culto: confiamos nosso futuro ao dinheiro, e a Deus fazemos procissões e templos que “não chegam até o céu”. Por isso, em seu Grande Catecismo, Lutero trata do dinheiro ao comentar não o sétimo mandamento, mas o primeiro: porque o dinheiro é “o ídolo mais comum na terra”.
Segundo Lutero, a comunidade cristã deveria ser um âmbito onde não regeriam as leis da economia monetária. Os cristãos deveriam se manifestar ao Deus verdadeiro com sua conduta em questões econômicas. Por isso acrescenta: “sempre disse que os cristãos são pessoas raras na terra”. Contudo essa raridade permite compreender que a frase de Jesus (“não podeis servir a Deus e ao dinheiro”) tem uma tradução leiga bem clara: não podeis servir ao homem e ao dinheiro.
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FONTE: IHU online, 30/07/2014
TRADUÇÃO DO TEXTO EM ESPANHOL.
Quarta, 30 de julho de 2014
O dinheiro como Deus
“Acreditar em Deus é confiar Nele, mas nós temos substituído a confiança pelo culto: confiamos nosso futuro ao dinheiro”, é o que trata José Ignacio González Faus, jesuíta, professor Emérito de Teologia em Barcelona e em vários países latino-americanos, em artigo publicado no seu blog Miradas Cristianas, 25-07-2014. A tradução é do Cepat.Fonte: http://goo.gl/1bmyQb |
Há quase cem anos, Walter Benjamin escreveu um artigo intitulado “Capitalismo como religião”: o capitalismo atua religiosamente porque se apresenta como uma “experiência da totalidade”. Contudo é uma religião apenas de culto: sem dogmas nem moral. Esse culto é realizado mediante o consumo, integrado a tese marxista da mercadoria convertida em fetiche enquanto o trabalhador é convertido em mercadoria. Também é uma religião de culto contínuo, no qual todos os dias são “de preceito”. E de um culto de culpa (em alemão Schuld significa tanto dívida como culpa: por isso, de acordo com Benjamin, viver com uma dívida equivale a viver com uma culpa. Curiosamente no aramaico de Jesus acontecia algo parecido: a palavra schabq significava perdão dos pecados e a remissão das dívidas).
1 – Toda religião tem um deus. Por volta de 1936, Keynes em sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro, falou do dinheiro como deus: todas as funções que eram então desempenhadas por Deus são desempenhadas hoje pelo dinheiro. Keynes destaca que não se trata simplesmente da riqueza, mas do dinheiro duro e frio (a liquidez), que permite a disponibilidade imediata e a especulação. Esse dinheiro:
a) dá segurança e garante o futuro: equivalem aquelas palavras salmistas: “te amo, Senhor, Tu és minha rocha, minha fortaleza”.
b) dá segurança porque é o todo-poderoso e onipresente: não se pode conseguir nada sem ele. Finalmente,
c) o dinheiro é fecundo: no capitalismo financeiro o dinheiro já não é usado como meio para criar riqueza, mas ele mesmo produz mais dinheiro: “especular se torna então mais lucrativo que investir” (por isso os Bancos já não dão créditos).
E, a tudo isso poderíamos acrescentar:
d) que hoje em dia o dinheiro também é invisível, como Deus, apesar de seu poder e onipresença. Resumindo: se o dinheiro é o último ponto de referência, também se pode falar dele como “o ser necessário” (clássico termo metafísico para designar a Deus).
2 – Tudo isso coloca em destaque a não neutralidade do dinheiro, que já não é um mero instrumento prático de intercâmbio, como querem os teóricos neoliberais. Também levanta uma questão muito séria em relação à legitimidade do empréstimo a juros, cuja história tem três etapas:
a) Tanto na Bíblia quando no mundo Greco-romano era considerado imoral: Aristóteles qualificava a usura como o mais baixo dos vícios, comparando-a ao proxenetismo que aproveita a necessidade do outro para o enriquecimento próprio. Ao pedir emprestado um quilo de batatas não é justo que obriguem a me devolver um quilo e meio. Por que haveria de ser lícito se peço dinheiro ao invés de batatas?
b) No alvorecer do capitalismo, o dinheiro torna-se uma oportunidade para criar riqueza: se te empresto um dinheiro evito de comprar com ele um campo onde poderia cultivar, ou montar uma pequena indústria. Nesse sentido, o empréstimo me priva de um benefício e parece legítimo que, ao devolvê-lo, me dê alguma compensação pelo lucro perdido.
c) Com a economia especulativa financeira, a coisa volta a mudar: o dinheiro já não é uma oportunidade para que eu crie, mas ele mesmo é fecundo: com menos riscos e com porcentagens de lucros mais altas. Isso pode ser uma grande mentira, mas “funciona” até que se instale a crise. Pois bem: assim como, no início do primeiro capitalismo não se viu que o empréstimo a juros mudaria de modo significado, de forma que continuaram o proibindo; agora nem se vê que, no capitalismo financeiro, os juros voltam a mudar de significado, e continua-se o permitindo. Segundo a tese de Benjamin sobre o capitalismo como religião de culpa, agora o juros se relacionam com o empréstimo, o que é a penitência em relação à culpa.
Deixemos esse problema para o futuro e voltemos a Keynes. Do que foi dito anteriormente deduz-se que o nosso sistema tem dois grandes efeitos: é incapaz de criar emprego e reparte injustamente a riqueza e os lucros. Dois efeitos ou duas desautorizações totais?
4 – Tudo o que foi dito anteriormente nada foi percebido com tanta clareza como o fez Lutero, quando já havia amanhecido o capitalismo. Acreditar em Deus é confiar Nele, mas nós temos substituído a confiança pelo culto: confiamos nosso futuro ao dinheiro, e a Deus fazemos procissões e templos que “não chegam até o céu”. Por isso, em seu Grande Catecismo, Lutero trata do dinheiro ao comentar não o sétimo mandamento, mas o primeiro: porque o dinheiro é “o ídolo mais comum na terra”.
Segundo Lutero, a comunidade cristã deveria ser um âmbito onde não regeriam as leis da economia monetária. Os cristãos deveriam se manifestar ao Deus verdadeiro com sua conduta em questões econômicas. Por isso acrescenta: “sempre disse que os cristãos são pessoas raras na terra”. Contudo essa raridade permite compreender que a frase de Jesus (“não podeis servir a Deus e ao dinheiro”) tem uma tradução leiga bem clara: não podeis servir ao homem e ao dinheiro.
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FONTE: IHU online, 30/07/2014
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