sábado, 19 de julho de 2014

A vida solitária nas grandes cidades

 Siro Darlan *
 
Viver em grandes cidades é um exercício de solidão na multidão. A vida urbana, a arquitetura e o urbanismo nas grandes cidades faz com que voltemos ao início da civilização quando não havia a linguagem escrita e vivíamos no isolamento da imensidão de terras ainda não habitadas. Nas grandes urbes as edificações são o reflexo das classes sociais. Enquanto os ricos vivem em moradas de luxo, próximo dos serviços, do lazer e com comodidade, os pobres são categorizados segundo o espaço em que habitam e a falta de comunicação com o exterior. Na periferia e nas favelas faltam serviços públicos, áreas de lazer e o transporte é caro, longe e de péssima qualidade.

Assim como as pessoas, os logradouros e ruas são paralelos e não se encontram. O progresso dos meios de comunicação das redes sociais criados para aproximar as pessoas, paradoxalmente as afasta isolando-as eis que transformaram o universo imenso numa telinha de computador onde tudo encontram e tudo fazem: compram, vendem, ouvem musicas, assistem filmes, conversam, interagem e até fazem sexo sem o contato físico. O paradoxo do nosso tempo é que temos edifícios mais altos e temperamentos mais reduzidos.

Esse egoísmo comunicacional atinge até mesmo os animais contaminados pela neurose urbana que adquirem as mesmas doenças psicóticas dos humanos chegando até ao suicídio. O isolamento das pessoas além das doenças refletidas nas grandes cidades leva ao desgaste físico e mental aumentando o consumo de medicamentos psicotrópicos e inibindo os exercícios físicos. Cada vez temos mais conforto e menos tempo para o outro.

A falta de comunicação e contatos físicos também traz consequências psicológicas no próprio desempenho sexual, levando a falta de libido e impotência, além das doenças já epidêmicas como diabetes, hipertensão e obesidade. Apesar dessas conquistas na área da comunicação o homem se sente oprimido e deprimido por essa falta de interação entre os humanos e a arquitetura e o urbanismo refletem esse drama nas coisas mais simples como o excesso de fios que impede a visão do céu, das nuvens e das estrelas. A teia criada pelas fiações prejudicam até mesmo as expressões culturais mais importantes como a literatura e a poesia porque nos afasta de nossas tradicionais e universais inspirações. Conquistamos o espaço exterior, mas não o interior.

O excesso de construções não planejadas criando contrastes entre os estilos e o social faz surgir espaços neutros e de pouca utilidade que chamam de “medianeiras” onde o consumismo tira proveitos com publicidade. Alguns, mais inspirados e criativos, buscam nesses espaços possibilidades ilegais de se encontrarem com a luz, o ar e o mundo exterior.

No fundo essa neurose urbana leva as pessoas a se procurarem sem se encontrarem. Muitas vezes vivem porta com porta, mas não se encontram porque não se comunicam.  Conseguimos ir à lua e voltar, mas temos dificuldades em cruzar a rua para conhecer um novo vizinho. São como as ruas paralelas que estão tão próximas, mas tão distantes. Enfim olhar na tela de computador é uma busca dos outro olhando para o espelho da informática.As estradas são cada vez mais largas e o ponto de vista mais estreito. A tecnologia é de suma importância para o progresso da humanidade, mas nada será tão importante quanto o olhar para o outro com sensibilidade e respeito.

Prospera cada vez mais o uso dos aparelhos eletrônicos para que cada um olhe para sí sem ver o outro.  Têm-se mais graduações, mas menos sentimentos comuns. Assim é que cada vez mais as pessoas buscam se retratar em autorretratos, os chamados “selfies” ainda que tenham do seu lado pessoas atraentes, charmosas e interessantes.
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* Desembargado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Coordenador Rio da Associação Juízes para a democracia
Fonte: Jornal do Brasil, 117/07/2014
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